O Autor em 1973 Nome Leão Verde Localização Norte de Portugal Ver o meu perfil completo Música Angolana
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Luanda // Nova Lisboa [ III/IV ]NOITE LOUCA Depois do jantar foi uma desilusão. Sábado à noite e depara-nos uma cidade morta, sem movimento, macambúzia. Poucos carros, raros passeantes. À porta do cinema Ruacaná [o mesmo nome do Hotel], meia dúzia de pessoas talvez para assistirem ao filme em exibição e bastantes militares em relação ao número quase inexistente de civis. Demos uma volta a pé pela Avª, arredores do jardim, ruas paralelas e nada de nada. Aquela cidade era mesmo do outro mundo. Não existia. Nós devíamos estar num filme de ficção. Ainda há poucas horas em Nova Lisboa e já com imensas saudades da nossa Luanda. Para deitar era cedo, para andar parecia tarde dado o vazio da noite. Mas tínhamos que procurar uma solução para passarmos a noite ou seja, para sabermos se Nova Lisboa tinha ou não movimentação nocturna. Bares, discotecas, boites, farras, qualquer coisa tinha que ter. Perguntei a um militar sobre o assunto e a resposta foi que N.L. nada tinha de interesse, mas também não sabia adiantar muito pois não tinha dinheiro para andar a procurar situações de divertimento desse género. O que sugeria era uma ida até ao Bairro de S. Pedro ou S. João onde haviam farras de clube e sanzala, sendo bem frequentadas por moças de cor e algumas [poucas] brancas. Questionei se eram bairros seguros e onde ficavam. Seguros eram, pois não tinha ouvido dizer algo em contrário e na tropa as coisas menos boas são logo dadas a conhecer. Ficavam na saída a norte da cidade, sendo fácil de encontrar. Olhamos uns para os outros, encolhemos os ombros e lá fomos. Saímos da cidade e percorremos uma estrada quase sem iluminação e em terra batida. Embora escuro verificamos que paralelamente à estrada se encontrava uma via-férrea. Fomos indo e encontramos o Bairro de S. João. Calmamente percorremo-lo e encontramos um largo onde se situava um clube do qual saíam sons musicais. Paramos e dentro do carro vimos o ambiente exterior. Não gostamos, pois não nos sentíamos à vontade. Estávamos deslocados, sem conhecimento do terreno que pisávamos, sem qualquer fonte de referência. Embora kaluandas um pouco vividos aquele não era o nosso habitat. Desmotivamo-nos, demos meia volta e regressamos. A euforia da noite tinha passado. Regressados ao hotel, dirigimo-nos para os quartos. E aqui começa a verdadeira noite louca. Uma névoa acolheu-nos quando abrimos a porta e entramos no quarto. Como horas atrás tínhamos deixado a água quente a correr e a porta da casa de banho aberta, vimos que o quarto estava envolto numa neblina quente, compacta e o ar todo húmido. Abrimos as janelas do exterior para que todo aquele “nevoeiro” começasse a sair do aposento. E O AR GÉLIDO DA NOITE A ENTRAR. Ainda não tinha referido mas tanto o nosso quarto, como o dos irmãos, só tinha uma cama e de casal. Até neste aspecto tínhamos sido tramados pelo recepcionista. Quarto caro, com uma cama e o individuo provavelmente a gozar com a "partida. Na casa de banho nem com bússola se entrava. Aquilo estava um caos. Parecia que estava a chover lá dentro. Aguardamos que as condições se normalizassem o melhor possível. A nossa vingança quente estava a virar-se contra nós. Entretanto o cansaço da viagem e todas as emoções sentidas estavam a fazer mossa. Eu queria deitar-me e obviamente que o Carlos também. Como habitualmente, a partir de determinado ano, umas bermudas ou um calção próprio eram a minha peça de roupa interior. A t-shirt com que tinha saído deixei-a na mesma vestida e eis-me debaixo dos lençóis e da restante roupa de cama. E AS JANELAS ABERTAS E O AR GELADO A ENTRAR. Fiz umas recomendações ao amigo Carlos, que ficou a aguardar que o ambiente ficasse mais desanuviado, para não se “entusiasmar” durante a noite, rimo-nos e um até logo pois já era Domingo. Não sei se dormi uma, duas ou três horas, ou até poucos minutos, quando me senti totalmente gelado. Estava com a sensação de continuar dentro de um frigorífico. Liguei a luz e vi que o Carlos também batia o dente. As janelas já se encontravam fechadas, nada aberto e o frio presente. Meti-me novamente na cama e parecia uma batedeira a tremer. Puxo mais a roupa e oiço o Carlos a barafustar e a puxar para o lado dele. Quanto mais puxávamos mais frio sentíamos. Vejo-o levantar-se e acender as lâmpadas todas. Era para aquecer, disse ele. Daí a pouco sou eu que mais uma vez me levanto, visto as calças e a camisa. E meias nos pés, dois pares. Aquilo era demais. Ou estávamos doentes, ou encontrávamo-nos num pólo qualquer. Em Angola é que não estávamos. Puxa um, puxa outro, lá se levanta o Carlos para vestir também calças, meias, camisas, vai às toalhas de banho enrola-se nelas e toca a deitar de novo. Mas parecia que quanto mais roupa, mais frio sentíamos. Luzes acesas, bem embrulhados mas frios e gelados continuávamos. A cama era de pés altos e a colcha ia até ao chão de ambos os lados. O tempo passava, o frio gelado aumentava. Os dentes já não batiam. Estávamos a caminho da petrificação. De repente tenho uma ideia luminosa [com tanta lâmpada ligada, até a da casa de banho, obviamente que a ideia só podia ser luminosa :))]. Digo ao Carlos o que penso fazer e ele concorda. Levantamo-nos que nem loucos, dividimos toda a roupa da cama e precipitamo-nos para debaixo dela. Assim embrulhados, deitados debaixo do colchão e tapados pelos lados pela colcha de certeza que derrotaríamos o frio inimigo. E assim aconteceu, pensávamos nós. E o tempo do relógio implacavelmente a passar. Nós cansados a querer dormir e o maldito frio a não deixar. Quando parecia que a solução estava encontrada, senti as costas “ensopadas” ao soalho, que era em madeira. Pura e simplesmente o frio tinha trespassado as barreiras da colcha, o chão estava húmido do vapor da água quente e em conjugação com o calor do nosso corpo, a nossa respiração e o ar frio que se tinha instalado no quarto, originou o estado de condensação fazendo com que tudo se tivesse convertido em estado liquido. Assim sendo a roupa em que estava envolvido começou a ficar humedecida, chegando ao corpo. Solto palavrões, esqueço-me que estou debaixo da cama e dou com a cabeça numa das travessas que sustentavam a tábua do colchão. Fiquei como que paralisado e estendido. A meu lado o Carlos, que viu a cena toda, desatou a rir que nem um desalmado e saiu debaixo da cama. Ainda entontecido rolo para o meu lado e saio também daquela toca. O Carlos, já sentado numa cadeira, continua louco de riso. Eu estava completamente perdido com tudo aquilo. Vou até à casa de banho, verifico que não me feri, mas sinto um alto na cabeça. Passo-me dos “carretos” e mando vir contra todo o mundo. Estava farto até ao alto da cabeça de Nova Lisboa. E o Carlos continuava a rir-se. O riso devia estar a aquecê-lo, pensei . Já refeito arrumamos a cama, esticamos os lençóis e o resto da roupa e preparamo-nos para de novo nos deitarmos. Se tivesse que “morrer gelado”, ao menos que estivesse tapado. Já completamente à deriva vou para debaixo do chuveiro e tomo um banho de água quentíssima. Fricciono com o toalhão o corpo, visto de novo os calções e a t-shirt e a “fumegar” corro para a cama. Penso que deveria estar a dormir bem quando sou acordado pelo Carlos. A manhã já há algum tempo tinha surgido e ele e os manos estavam à minha espera para sairmos. Visto-me, saio com umas olheiras de meter medo, encovado e todo partido. Embora com ar “encorrilhado” o Carlos apresentava-se com melhor aspecto que eu. Um dos irmãos perguntou o que é que se tinha passado no nosso quarto pois teve necessidade de durante a noite se levantar e pareceu-lhe ouvir algum barulho e a falarmos alto. E está claro, olharam para mim e perguntaram da razão de tão mau aspecto. Assim como perguntaram ao Carlos. Lá esteve o Carlos a contar a “odisseia” nocturna. No princípio os irmãos ficaram perplexos com o que ouviram, mas depois desataram a rir que nem perdidos como se o assunto tivesse alguma piada. E no meio do riso disseram que éramos completamente ANORMAIS já que o quarto tinha um aparelho de aquecimento para se ligar, tipo chaufagem, se fosse necessário. Que foi o que fizeram, tendo tido uma noite bem quentinha. Não estava a acreditar no que ouvia. Então a solução para tudo quanto tinha acontecido no quarto tinha estado sempre a nosso lado e nós não demos NEM sabíamos dela?! A expressão que eu e Carlos provavelmente fizemos fez com que o Fernando e Henrique ainda mais se rissem. Tanto riram que não aguentamos e contagiados rimo-nos os quatro até não mais podermos. Tinha sido uma noite de terror, louca, de perfeitas maluqueiras como a de ir dormir para debaixo da cama, banhos super-quentes e tudo o mais, quando podia ter sido uma noite de paz, bem dormida, bem repousante, bem quentinha. Tomamos o pequeno-almoço num café qualquer, metemo-nos no carro e fomos ver onde ficavam o R.I.21 e a E.A.M.A. Rondamos as unidades, fizemos paragens para verificação da zona envolvente e depois demos uma volta por Nova Lisboa a fim de a conhecermos um pouco. Gostamos do que vimos, pois era uma cidade limpa, com bastantes e espaçosos jardins floridos, estátuas, monumentos, ruas e avenidas largas. Bastante geométrica, nas suas mais variadas formas. [ continua ]
Comments:
O comentário sobre os Bairros era neste tema, mas o que eu me ri com este vosso "dormitar". A condensação, com o frio que estava, era mesmo de formar estalactites e estalagmites.
:)) Quanto à cidade, como o referi também num tema meu, era demasiada "parada" para o nosso gosto,habituados ao frenesim de Luanda. Os jardins eram muito agradáveis e muito tempo passei a ler no tal Jardim da Praça Salazar. Como o referes, uma cidade limpa, e os monumentos (o do Norton de Matos era espectacular) eram bonitos de se ver.
Olá mano,
Em relação aos bairros fui depois, quando não podia desenfiar-me para Luanda, um frequentador do S. João. Não tanto para dançar, pois como bem sabes nunca fui um dançarino, mas mais para conviver e observar as realidades locais. E foram esses muitos olhares observativos e analíticos que fizeram com que hoje me lembre de bastantes pormenores que ficaram engavetados na memória e permitem-me descrever situações que de alguma forma eu poderia recreá-las. Nova Lisboa era o que dizes e confirmas o que escrevi. Bonita, limpa, asseada, arejada, ajardinada, mas para mim com muito snobismo dos seus habitantes. Essa foi a primeira impressão e com ela fiquei e confirmei até ao fim da recruta. Em relação ao frenesim era, no seu conjunto, uma aldeia engravatada. Abraço
Olá Leo.Está demais, aqui estou eu de novo a ler as tuas passagens, fartei-me de rir, não acredito!.... um abraço Edu
Olá Edu,
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até eu ao escrever as diversas partes do tema comecei a revivê-las e não sabes o quanto me ri, o quanto gozo me deu agora, pois na altura estava era a passar-me dos "carretos". E a ultima parte (IV) também não fica atrás desta. Mesmo de perfeitos malucos. Um abraço << Home |