terça-feira, 29 de dezembro de 2009

 

Zau Évua «» Natal 1972


** Zeca Torres - Africa Ôh **


Terminada a missão que me levou a Ambriz [ver os temas Ambriz - Natal 1971 e Ambriz -o Primeiro Poema], mais propriamente o primeiro, regressei em Fevereiro de 1972 a Luanda ao R.I.20. Após umas duas/três semanas de permanência naquele regimento, aguardando o meu próximo destino, incorporo, em Março desse mesmo ano a

CCAÇ 105/72



que em regime de rendição individual ia render a CCAÇ 105/71 instalada em Zau-Évua.
Munido da respectiva guia de marcha eis-me a caminho da desconhecida Zau-Évua. Nunca dela tinha ouvido falar, nem sabia onde se localizava. Assim, num Sábado desse mês de Março, pelas 04h00 da manhã, apresentei-me de arma e bagagem na Manutenção Militar sita na Estrada de Catete onde o MVL [Movimento de Viaturas Logísticas] era formado. O M.V.L. era constituído por diversos camions civis fretados, para além das próprias Berliets do exército. A logística consistia no transporte de víveres, combustíveis diversos, madeiras, vário tipo de equipamentos, maquinaria, etc., etc., a fim reabastecerem os diversos interesses civis e militares instalados nas rotas de cada M.V.L.
Apresentei-me ao graduado que comandava a escolta militar de protecção ao M.V.L., tendo perguntado como é que iria. Após uma resposta que no contexto me pareceu estúpida, acabei por ir na cabine de um dos camions civis. Mais tarde fiquei a saber que esse era o “procedimento normal”, ou seja, ir ou vir à boleia.
Os preparativos não me foram estranhos, pois já tinha visto os mesmos quando me enviaram para Ambriz. A novidade era a “boleia”, pois na ida e vinda de Ambriz foi sempre num Unimog.
Escolta pronta, um Unimog à frente, seguido de uma Berliet já preparada com sacos de areia na carroçaria para que quando entrássemos a sério na zona de guerrilha e nas chamadas “estradas/picadas” ela pudesse entrar em acção no rebentamento de minas anti-pessoal, caso as houvesse, camions civis, mais um Unimog, mais camions, Unimog, camions e a fechar mais um Unimog. Pelo meio iam mais duas Berliets carregadas. Refiro que o Unimog da frente e o de trás iam reforçados com artilharia mais pesada que os do meio, para o que "desse e viesse".
Tudo pronto saimos tendo como destino Ambrizete onde ficaríamos aquartelados até a noite/manhã de Domingo.

** M.V.L. e problemas mecânicos **


Passamos Cacuaco, Quifangondo, Porto Quipiri e após a Fazenda Tentativa o M.V.L. e a protecção militar dividiram-se. Uma pequena parte do M.V.L. seguiu para Ambriz e a outra para Ambrizete - via Caxito. De Freitas Mornas, um posto avançado do exército, veio um grupo de combate que reforçava a escolta para Ambrizete, considerando que uma parte da que saiu de Luanda acompanhou o M.V.L. com destino a Ambriz.

Ambrizete distava de Luanda cerca de 300 km e era uma Vila bem simpática, arejada, limpa, já de mim conhecida quando da minha permanência em Ambriz.
De vez em quando, aproveitando a saída de uma patrulha, “desenfiava-me” até lá, pernoitava num hotel perto das instalações militares e depois regressava no anonimato. Como relato nos temas dedicados a Ambriz, não tinha controlo e era-me fácil sair, mas sabia que na retaguarda tinha o apoio dos meus camaradas da vivenda do comando, major Santiago Maia.
Chegamos a Ambrizete ao fim da tarde, mas ainda com o Sol a aquecer as águas límpidas do Atlântico. Enquanto a escolta e outros militares rumavam para o aquartelamento, eu instalei-me no tal hotel onde já algumas vezes tinha ficado nos “desenfianços" de Ambriz. Não me recordo do nome do hotel, apenas lembro-me que a proprietária era tratada de “madrinha”. Porquê não sei, nem nunca me interessou, pois entrava e saia sem querer saber de pormenores.
Depois de um bom banho retemperador e de me ter trajado à civil, desloquei-me até ao restaurante Brinca n’Areia que ficava no areal perto da praia, a fim de degustar uma boa lagosta ou os famosos lagostins de Ambrizete. Já antes tinha recebido a informação de que retomaríamos a marcha no dia seguinte, Domingo, por volta das 04H/04H30.
No Brinca n’Areia havia um empregado bem simpático que chamávamos de “Carlinhos”, pelos motivos óbvios, e era um bom auxiliar nas escolhas dos clientes mais indecisos. Na altura um bom profissional, digo eu.
Após estabelecer posteriormente contacto com uma das minhas conhecidas de um dos bairros, regressei ao hotel enquanto Ambrizete começava a preparar-se para mais uma noite de rebita, de farra na sanzala, ao som de um grupo musical num dos clubes existentes, ou de um gira discos num dos muitos quintais de aduelas fechado, nos quais alguns “vaidosos” iriam exibir a sua banga na passada.
Bons momentos passei em Ambrizete quando deslocado em Ambriz e depois em Zau-Évua.
Na noite/madrugada de Domingo retomamos a marcha e após termos passado por Tomboco e Quiximba eis que surge Zau-Évua. A tabuleta fixada na estrada assim o dizia.

** Abril 72 **


Penso termos chegado por volta das 14H00.
Tinham-se percorrido cerca de 500 km, distância de Luanda a Zau-Évua e gasto umas 34/35 horas a percorre-los.
A escolta foi refrescar-se com umas cervejas e eu apresentei-me ao comandante da companhia. Deram-me a conhecer as instalações das transmissões (posto rádio e quartos de dormir), verificando, a exemplo de Ambriz, que ficávamos isolados das casernas existentes e, neste caso, também do comando.

** brazão do BCAÇ que esteve até 71 **


Não me lembro de quem fui substituir. Apenas sei que fomos, os “maçaricos”, bastante ovacionados pelos “veteranos de um ano” que esperavam a rendição. Foi uma festa para os que receberam o seu substituto e uma desilusão para os que teriam que aguardar que no próximo M.V.L. chegasse o seu. Se nesse chegasse.
Daquilo que rapidamente vislumbrei Zau-Évua era um aglomerado de barracas militares, com uma capela no alto de uma elevação relativamente perto do Posto de Transmissões. Em redor do aquartelamento não se via vivalma. Apenas éramos nós, os militares, os que davam vida humana àquela imensa zona geográfica. Nenhuma sanzala, nenhuma aldeia, nenhuma povoação. À vista desarmada era um autêntico deserto [comprovei quando instalado], ou seja, estávamos completamente isolados. Para além da pista de aviação, no exterior, existia bastante capim alto e algumas montanhas.



Mas de pormenores e estórias sobre a minha estada em Zau-Évua debruçar-me-ei em próximos temas.
Este tem apenas como objectivo dar a conhecer como passei o meu 2º Natal fora do seio familiar, já que o anterior tinha sido passado em Ambriz.
Entretanto no decurso dos meses mais camaradas foram chegando até a rendição ter ficado completa. Reencontrei de novo o amigo Abelha e o Jorge que comigo tinham estado em Ambriz. Encontrei o meu amigo Lemos, que trabalhava na Socar, no Largo de Serpa Pinto/Luanda, que vivia no Bairro Madame Berman, que ficava entre o Bairro da Policia (7ª esquadra) e o Bairro Popular nº 2, perto do campo do Atlético de Luanda, onde anos antes tinha treinado. O Cunha, que penso que conheci através do Abelha quando este namorava a Milú (Lurdes) que vivia na Rua Eugénio de Castro/Vila Alice, ainda na vida civil.
Mais outros companheiros encontrei das noites de Luanda e do Bairro de S.Paulo.

O grupo de transmissões era constituído por 4 (quatro) radiotelegrafistas, 4 (quatro) de infantaria e o correspondente furriel. Relembro aqui os seus nomes.
Transmissões
Furriel Ferreira;
Rádio Telegrafistas; eu, Cunha, Lemos e Maurício;
de Infantaria; Daniel, Abelha, Araújo e Figueira.

** cima: Figueira, eu, Cunha, Daniel e Lemos **
** baixo: Araújo, Ferreira (furriel), Abelha e Mauricio **


Outros (poucos) nomes que me lembro:
Criptos; Soares e José Carlos;
Comandante da CCAÇ 105/72; Capitão miliciano Napoleão Barata, talvez o único comandante na zona operacional que tivesse junto a si a esposa (Suzélia, se bem me lembro);
Alferes; Leitão, Fonseca, Trigo e Marques (Benina);
dos Transportes; Furriel Carvalho;
Condutor; Mendes; »» Amanuense; Jorge; »» Atirador; o Lisboa ou Mouraria [alcunha].

O Posto de Transmissões era o ex-líbris da companhia, talvez por estar fora do controle de chamadas e de certa forma "isolado", talvez por nós, os transmissões, sermos de forte empatia, talvez por gozar de alguma autonomia, o certo é que era o “poiso” de alguns dos camaradas que acima refiro.
De algumas situações decorrentes no posto de transmissões escreverei algo noutros temas.

E assim chegamos à noite de Natal de 1972.

Na zona de Zau-Évua a caça era abundante; corsas/gazelas, pacaças, burros do mato, palancas (estas não eram abatidas por representarem a expressão máxima da fauna de Angola), entre outras espécies de mais reduzida expressão, tal como o javali, o certo é que queríamos uma ementa diferente da habitual. Assim foi-se até Quiende, uma povoação que distava de Zau-Évua cerca de 30 km, onde também estava instalada uma unidade militar, comprar na sanzala uns cabritos para serem devidamente assados, tendo a acompanhá-los a respectiva batata também assada.
Após tudo pronto e com a mesa já preparada foi só depositar os tabuleiros vindos directamente do forno, prepararmo-nos para o repasto e passarmos o Natal de 1972 em Zau-Évua, capital de nenhures.

** Araújo, Ferreira (fur.), eu, Lemos e Cunha **

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** Cunha, Jorge (garrafão), Figueira, Soares, Mendes,
Araújo e demais **


Anteriormente já tínhamos adquirido uns garrafões de bom vinho tinto, umas garrafas de vinho espirituoso, além de cervejas e Coca-Cola para quem não pudesse beber bebidas de teor alcoólico.
Assim sendo o Posto de Transmissões foi transformado num local de convívio fraterno, de bem estar, de alegria, como documentam as várias fotos com que ilustro o tema.

** os transmissões + Jorge **

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** alferes Leitão, eu, Mendes, Cunha e os alferes Trigo e
Marques (Benina) e fur Carvalho (a ver o fundo ao copo) **

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** os transmissões + Soares, Zé Carlos, Jorge, Carvalho
e Marques (Benina)**

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 Já um pouco “tocados” sei que não cantamos ao Menino Jesus mas tocamos e cantamos a qualquer coisa. E num ápice surgiu o agrupamento musical
** Os Transmissões **


** cima; Soares, Araujo, eu e Cunha **
** baixo; Mauricio; ???, Zé Carlos e Figueira **
» reparar bem na variedade de instrumentos e a forma como Zé Carlos “amaciava” a garganta ao Figueira e Mauricio preparado para fornecer mais "amaciador" «


E nesse ambiente de são convívio, pelo menos para os que lá estivemos, passamos o nosso Natal de 1972.

A esses camaradas e a todos quantos convivi durante o meu percurso militar, assim como a todos quantos possam ler este tema, Desejo que Tenham Tido um Feliz e Santo Natal e que o Novo Ano 2010 se torne uma Realidade Positiva para os Vossos Anseios.

Saudações e Inté



Comments:
Olá, numa das fotos tem um grande rapaz de bigode farto, à direita, parece que o conheço, a cara dele não me é estranha, mas...
Beijinhos e o teu aniversário, voou da lembrança, só há dias lembrei que já era tarde,assim! desculpa..beijinho da garota lá do Bairro.
 
Olá Garota de S. Paulo,
embora possa ser possivel creio que não o deves ter conhecido pois de certa forma sei qual foi o percurso dele e podes estar a confundi-lo com outra pessoa, mas ....
Quanto ao meu aniversário não tens que pedir desculpa, já que mesmo fora do dia ainda te lembraste dele enquanto eu do teu nem no dia, nem depois. Passa-me sempre ao lado.
Tudo de Bom.
 
lá leo. Um bom ano para ti (todos). Obrigada pelo diário das recordações. gosto imenso dos relatos da nossa tropa, não que tivesse petencido, já que eu era estudante,e deu-se o 25 de abril.Como fiquei em luanda após a independência, acabei por não ingressar nas forças militares.Aliás eu queria alistar nas forças da Unita, mas não nos quiseram, amim e a um rapaz mestiço,regressei a casa e passado 3 ou 4 meses quartel foi arrasado do mapa pelas forças das Fapla e populares.As histórias que eu ouvi da nossa tropa, foi durante o recolher obrigatório, em minha casa no meio de uma suecada ou copas, contadas pelos meus amigos que por lá tinham passado. Um abraço leo.Continua.....
 
Estive em Zau Evua em 1971. Pertencia à Companhia 105, do RI 20, Luanda. Devo ter sido rendido pela vossa companhia, uns dias antes do Natal de 1971 (rendição individual).
 
Olá camaradas, também estive no Quiende de Junho de 1969 a Junho de 70,e conheço bem esses locais, S.Salvador do Congo, Zau-Évua, Quiximba, Tomboco. Escoltei muitas colunas de MVL até Quiximba e algumas vezes mesmo até ao Tomboco. Depois mudei para a Canga onde estive até ao fim da comissão Julho de 71.Um abraço.

 
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