domingo, 17 de maio de 2009

 

Marcha Estudantil Nocturna


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** Santana – Black Magic Woman **


De pequenos nadas e coisas se constrói a História de cada Homem, através das suas Vivências, das suas Recordações, dos seus Lembrares, das suas Estórias contadas.
Assim, dentro desse conceito, continuo a deambular pelas minhas memórias, fazendo Reviver das minhas lembranças momentos meus, desse meu passado vivido.

Por muito simples que sejam as minhas Estórias e “nada” possam dizer ou transmitir, o certo é que ao dá-las a conhecer posso estar a contribuir para que quem as leia se possa recordar de momentos seus semelhantes aos meus, fazê-lo “recuar” dezenas de anos na sua vida e proporcionar-lhe um olhar de lembrança longinquo e um sorriso de nostalgia pelos companheiros (as) que deixou de ver, pelas “aventuras” e “desventuras” que terá vivido no Outro Lado do Tempo.
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Esta é a estória de um pequeno momento, no qual me falta justificar a razão, o motivo de tal situação ter acontecido.
Como estava dentro do meu baú das memórias entendi fazê-lo “Reviver”, dá-lo a conhecer, na perspectiva de também poder encontrar a resposta através de algum meu condiscípulo que possa ter estado e participado naquela manifestação/marcha nocturna estudantil de há mais de 40 (quarenta) anos. Se tal resposta não vier a acontecer, só o relembrar a Escola Preparatória João Crisóstomo (frente ao Macambira – Vila Alice) e a Escola Industrial de Luanda, já é algo que fará com que alguns dos que leiam o tema possam querer partilhar connosco as suas recordações estudantis.
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A minha vida académica foi sempre nocturna já que houve a necessidade de cedo (11 anos) ter que começar a trabalhar para ajudar às despesas da família.
A prole era constituída por 6 (seis) filhos todos pequenos e naturalmente caberia ao mais “velho” o desígnio de ser o predestinado para a tarefa de ajudar a contribuir para as necessidades básicas da família, através do salário obtido pelo desempenho do trabalho.
Assim enquanto na chamada “metrópole” eu estudava, quando cheguei à “terra prometida” tive que ir trabalhar. E ainda diziam, e dizem, os menos esclarecidos deste Portugal pequenino à beira-mar plantado, que aquilo era chegar, abanar a bananeira e as “patacas” começavam logo a cair para dentro do alforge, que ficaria logo cheio. Quanta ignorância, quanto obscurantismo, quanta desinformação. Mas adiante, que isso são contas de outro rosário.
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Quando recomecei a estudar em 1967/68, cujos estudos a nível do ciclo preparatório tinha iniciado em 1961 na Escola Comercial e Industrial da terra onde nasci, sita na “metrópole”, morava na Rua do Lobito, Bairro de S. Paulo/Luanda e tinha 16 anos.


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** Diplomas desse meu tempo **


Após o dia de trabalho saía directo para a Escola Preparatória João Crisóstomo, só jantando por volta das 23H30. Em regra o horário escolar era até às 22H45/50 e como era jovem qualquer meia hora dava para chegar a casa. Saído da escola passava pelo escuro descampado onde mais tarde se construiu a Cidadela de Luanda, Avª Brasil, Bairro Marçal, S.Paulo/casa.
Na João Crisóstomo o único professor de que me lembro o nome era o Maximino Correia. Além de ser professor de matemática e geografia, também se dedicava a provas de automobilismo. Era um bom Professor e corporalmente era bem volumoso.
Nos testes dava-nos os exercícios e ia para a secretária fazer óó. De vez em quando levantava os olhos, via a turma “bem comportada” e continuava a soneca.

Aqui começa o relembrar deste Reviver


Uma noite qualquer estive envolvido numa manifestação estudantil, em que um dos "líderes" era o "Zé Gordo", filho de Lucília Pitta Grós Dias, que tinha o famoso programa radiofónico “Mais Alto e Mais Além”, praticamente ou totalmente dedicado aos militares e famílias.
O “Zé Gordo” vivia na Vila Alice e era um apreciador nato da Coca-Cola. Após beber de enfiada uma ou duas colas dava uns murros na barriga para “ganhar gás”, a cola fazia “combustão interna” e de seguida desprendia um tremendo, sonoro e prolongado arroto. Só visto e ouvido.
Bom companheiro, infelizmente já falecido há alguns anos em Luanda, (assassinado).
Como bom observador que sempre fui, reparei que alguns chefes de turmas se reuniam há algumas noites e “arregimentavam” alguns “súbditos” para os objectivos que teriam em vista, mas que não vislumbrei quais seriam. Em determinada noite os chefes de turma avisaram para que na noite seguinte não levássemos pastas, livros, cadernos, enfim … nada de material escolar, pois ia haver uma concentração de estudantes da João Crisóstomo e da Escola Industrial e por essa razão iríamos faltar às aulas. Mas todos teríamos que aparecer na escola senão sofreríamos as consequências, que não sabiamos como poderiam ser.

Ainda sem saber, ou sabermos, qual a razão de termos que ir à escola e faltarmos às aulas, lá aparecemos. As turmas foram reunidas pelos respectivos chefes e à voz de “comando” saímos feitos baratas tontas, sem sabermos para onde íamos, o porquê e para quê. Com o “Zé Gordo” e mais o seu séquito a comandar-nos, subimos a Eugénio de Castro e dirigimo-nos para o Largo Feliciano de Castilho, onde se faria a concentração com a “malta” que vinha da Industrial.

** foto muito anterior a 1967, talvez de 1960, pois quando eu e o Mário lá andamos anos antes toda a escola era murada e gradeada, conforme foto mais abaixo **

Durante o percurso várias palavras de “ordem” foram ditas, só que não me lembro delas e sobre o que seriam. O certo é que no silêncio da noite aquela gritaria fazia um barulho dos diabos. Só víamos os moradores a saírem das casas ou a espreitarem pelas janelas, para se aperceberem do que se estava a passar. Chegados ao Largo F. Castilho instalamo-nos nos bancos do jardim, no relvado, e aguardamos, sempre em algazarra, que chegassem os da Industrial.
**Esta é uma daquelas situações estúpidas que acontecem e que mais tarde faz-nos reflectir como é fácil “arrebanhar o povo” para fins e causas desconhecidas.
Quase ninguém sabia de qual a razão de não termos ido às aulas e de termos seguido os “comandantes”, sem procurarmos saber dos porquês. Simplesmente fomos e, como diz o hino
, … cantando e rindo.

A “malta” da Industrial começou a chegar, a barulheira foi aumentando enquanto aguardávamos que os “altos comandos” se reunissem para delinearem a estratégia da razão da concentração e de todo aquele aparato estudantil. Os moradores do largo é que não devem ter achado piada ao que se estava a passar, pois deveriam passar das 22H00 e estavam aqueles parvos (nós), a incomodar-lhes o descanso, o sossego. Por certo que alguns deles ligaram para a esquadra que ficava na Estrada de Catete, bem perto de onde estávamos (penso que era a 7ª esquadra), a polícia chegou e procurou saber o que é que se estava a passar e a razão de tal alvoroço, de tamanha concentração de alunos. Como os “lideres” nada disseram de concreto e começaram a fazer “peito” a polícia não se fez rogada e toca a dispersar o pessoal com uso da força e do cassetete.
Aquilo é que foi “abrir” pelas saídas do Largo e pernas para que te quero. Num ápice o Largo F. Castilho ficou praticamente “limpo” de estudantes. Nenhum foi detido para interrogatório.

Por azar meu naquele Largo vivia um sócio do meu pai, que além de me ter visto ainda me mandou umas bocas sobre a minha presença naquela confusão. No dia seguinte disse ao meu pai onde me tinha visto, o que é que se tinha passado e o meu kota lá me deu uns “mimos” para completar o cenário do “bom comportamento” da noite anterior. Ainda ameaçou em tirar-me de estudar mas a minha mãe convenceu-o a não fazer isso, já que os “mimos” tinham sido o suficiente para eu “aprender” a ter juízo. E se foram.
Mas ainda fiquei uns “longos dias”, por castigo, sem ir às aulas.
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Como fui dizendo desde o inicio ainda hoje estou por saber qual o motivo daquela manifestação. Querendo neste momento em que escrevo o tema arranjar uma razão para todo aquele alarido, direi que “provavelmente” poderia ter tido a ver com a "revolução estudantil de Maio de 68 em França", pois nas nossas escolas também se sentia algum descontentamento pela forma como os estudantes/trabalhadores eram tratados pelos professores, pelos horários nada próprios para quem era jovem (tínhamos aulas aos sábados) e por parecer-nos que algumas disciplinas do curriculum escolar eram desnecessárias, por muitas serem de cultura geral, "roubando-nos" o tempo e espaço para as disciplinas específicas dos cursos. Mas não sei se foram essas as razões, pois até ao fim do ano lectivo o assunto nunca mais foi comentado. Foi como se nada se tivesse passado, como se nada tivesse acontecido.

Após dois anos na Escola Preparatória João Crisóstomo, matriculei-me em 1969/70, sempre em regime nocturno, na Escola Industrial de Luanda no 3º ano do Curso de Aperfeiçoamento de Montador de Electricista.

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Com a rememoração de um momento de uma estória sem história conclusiva, envio as minhas

Saudações e Inté