quarta-feira, 15 de junho de 2011

 

R.I. 21 «» a Recruta [ III/III ]


** Pink Floyd »« The Wall **


» Aluno do Dia «
A partir de determinado momento da recruta [não posso precisar com quanto tempo de instrução], alguns de nós, eu incluído, começamos a ser nomeados como aluno-do-dia. Talvez fizesse parte de testes comportamentais de responsabilidade, de liderança e de anterior análise psicológica do instruendo. Esta nomeação consistia no facto de o nomeado comandar durante o dia, sempre que para desempenhar esse “estatuto” fosse chamado, o pelotão em ordem unida.
Nesse dia o aluno nomeado substituía-se ao furriel, ocupando o seu lugar, exercia voz de comando e fazia prática de alguns conhecimentos adquiridos. Sentido, abrir fileiras, perfilar pla direita, passar revista ao aprumo da farda, higiene facial e sentir, mais que ver, o que poderia estar-se a passar nas suas costas enquanto prosseguia a revista, isto é, se a disciplina se mantinha após a sua passagem.
Após a revista passava novamente para o lado do pelotão que em sentido aguardava as ordens do aluno-do-dia. Com mais umas vozes de comando preparava o pelotão para marchar, verificando a postura e a disciplina de movimentos dos “seus” recrutas. No regresso ou lhe parecia que o pelotão estava pronto para ser “entregue” ao furriel, e assim sendo deixava o pelotão em sentido e apresentava-o como pronto, ou caso verificasse que durante todo o tempo do seu comando teria havido alguma indisciplina ou gozo mandava de novo abrir fileiras e aplicava os castigos [exercícios] fisicos que entendesse.



Neste aspecto eu era mesmo “bera”, não perdoava, levava bem à letra o papel que desempenhava. Se disciplinarmente eu cumpria, exigia o mesmo de todos. Uma ou outra vez “senti” que o furriel ficava com pena dos meus companheiros mas não podia intervir até eu lhe entregar o pelotão como pronto. Eram assim as regras e todos tinham que a cumprir, a não ser que houvessem exageros desmedidos, o que nunca aconteceu.



Naturalmente que depois ouvia ameaças por parte dos castigados, mas felizmente nunca passaram disso e nunca nenhum me “aqueceu o lombo

» E.A.M.A. «
A última peripécia que aqui relembro tem a ver com a ida para a E.A.M.A.
Praticamente concluída a Instrução Básica Militar o comandante do Regimento mandou que as companhias de instruendos se formassem. Após isso deu a conhecer que face às informações recebidas dos instrutores, pela prestação obtida nas várias etapas da instrução, pelo perfil, voz de comando, sentido de liderança e acção disciplinadora [esta situação tinha a ver quando alguns de nós foram nomeados para aluno-do-dia, tendo eu, neste particular, sido bastantes vezes designado ], às classificações obtidas na carreira de tiro, às habilitações académicas, etc., etc., e tendo também em atenção que a E.A.M.A. não tinha o nr suficiente de instruendos para o curso de sargentos milicianos, alguns iriam transitar para aquela escola onde prosseguiríamos o curso de instrução, agora numa outra perspectiva de maior responsabilidade.

** edifício do comando da E.A.M.A. **


Endereçou os parabéns aos seleccionados e deu voz a um oficial subalterno para que este desse a conhecer o que se seguiria. Então era o seguinte; era feita a chamada e o instruendo chamado saia da formatura e formava numa ao lado, aguardando. Assim sendo foram chamados vários instruendos e quando ouvi o meu deu-me um sobressalto pois de forma alguma estava a imaginar que eu fosse um deles devido às recusas no cumprimento do salto para o galho, pórtico e também por nunca ter aceite de ânimo leve algumas instruções dadas pelo aspirante e pelo furriel. Mas enfim, se me chamavam é porque repararam em aptidões que suplantavam aquelas.
Após efectivada a selecção foi a vez do sargento da unidade dizer que fariamos a entrega de todo o fardamento, calçado e equipamentos recebidos, ou seja, teríamos que fazer o chamado espólio, já que no dia seguinte iríamos à civil para a E.A.M.A e para durante a tarde passarmos pela secretaria a fim de recebermos as guias de marcha.
À ordem de destroçar vi-me a ser felicitado por alguns companheiros, tendo o furriel Gandarês feito uma “palestra” sobre o que iria ser o nosso próximo destino, desejando sorte a todos mas para mim desejou particular sorte aos homens a quem eu potencialmente pudesse dar instrução ou pudessem vir a estar sob o meu comando, caso terminasse o curso na E.A.M.A.. Disse-me ter já “pena” desses meus futuros comandados face á forma como sempre exerci o poder temporário de aluno-do-dia.
O resto do dia foi o de arrumar as coisas, fazer o espólio, levantar a guia de marcha e outros pormenores ligados a esse efeito de transição.
Embora não dando qualquer atenção de maior não deixei de reparar que alguns companheiros aparentavam nervosismo indisfarçável, assim como verifiquei bastantes movimentações para o telefone da secretaria da unidade, para a secretaria do sargento da companhia, observando que alguns eram chamados para atender chamadas. Parecia que onde houvesse um telefone havia algum instruendo a correr para ele. Que estava a haver um rodopio, estava, mas sempre pensei que fossem os transitados a informarem as famílias da “boa nova” e a receberem felicitações, o que também houve. A noite foi passada na galhofa, houve “guerra” de travesseiros, “armadilhas” nas camas e diabruras de despedida.

** Brasão da E.A.M.A. **


No dia seguinte apareceram umas Berliets para nos transportarem, tendo nelas sido colocados os nossos sacos e/ou malas, enfim o que cada um que transitava tinha para levar. Com as últimas despedidas feitas, guias de marcha em poder de cada um, dá-se o golpe de teatro.

» saber falar inglês «
Apareceram alguns oficiais e sargentos da companhia dizendo para aos condutores das Berliet para não arrancarem ao mesmo tempo que ordenavam que descêssemos, retirássemos os nossos pertences e para formarmos. Era obvio que algo de anormal estaria a acontecer e foi após a intervenção de um dos oficiais ou sargentos que se me fez luz sobre tudo quanto tinha reparado no dia anterior. Com uma lengalenga descabida e sem nexo informou-nos que durante a tarde e noite do dia anterior tinham sido recebidos pelo comandante da unidade vários telefonemas de altos comandos militares em Luanda que, após análise “cuidada” do dossier de cada um dos recrutas a transitar verificaram que nem todos reuniam as condições exigidas para irem para a E.A.M.A..
Assim alguns já não iriam para a E.A.M.A. e seriam substituídos por outros que embora não fazendo parte do grupo seleccionado sabiam, pasme-se, falar inglês, o que nem todos de nós saberiam. Embora perplexo com a que deveria ter sido a piada do ano ou da década, de forma alguma deixei transparecer qualquer emoção, mas que a argumentação tinha piada, tinha. Era preciso saber falar inglês para se transitar para a E.A.M.A.:)). Francês, alemão ou outra qualquer língua não, só mesmo inglês.

Dava para começar a imaginar que na E.A.M.A., uma escola militar portuguesa, só se podia falar em inglês e quem não soubesse, rua, teria que ir para as aulas regimentais. Também imaginei o seguinte diálogo no primeiro contacto visual com o “IN” … oh madié, sabes falar inglês!? Se ele respondesse que não, que apenas francês, português, congolês, ou outra língua, ter-lhe-ia que dizer …ok, então não fazes parte da minha guerra pois só posso actuar com quem sabe inglês e como não sabes, safaste-te. Vamos mas é confraternizar, beber uns copos.



Não existia duvida de que a piada de “ter saber falar inglês” para transitar para a E.A.M.A. era mesmo uma piada de caserna, mas como na ocasião não estávamos na caserna não deu para piada.
Bom, depois daquela treta de embalar burro começou a chamar pelos nomes dos que não seguiriam, eu incluído. Em nosso lugar foram alguns daqueles que sabíamos serem os afilhados ou filhos de altas patentes militares, politicas e civis que não tendo tido boa prestação na instrução básica “saberiam” falar inglês.
Nunca soube se realmente sabiam ou não falá-la, nem me interessei em querer saber. Alguns dos excluídos ficaram revoltados com a injustiça praticada, choraram de raiva, de frustração, mas nada havia a fazer. Naturalmente que fiquei estupefacto com toda aquela marosca de cunhas e compadrios, pois nunca pensei que isso pudesse acontecer no exército a nível de instruendos. Mas rapidamente desliguei já que não tinha pedido para ir para aquela "outra guerra” nem para a que estava e da mesma forma indiferente como recebi a informação de que ia, indiferente fiquei quando me “tiraram” a ida. Eu lá queria saber daquilo. O que eu pretendia era ainda perceber o que estava a fazer no R.I.21. e por assim dizer na vida militar, sabendo-se desde há bastantes anos que a guerra em Angola já não existia e onde havia era porque os interesses de altos comandos militares queriam que houvesse.
Como nunca fez parte da minha forma de ser e estar perder tempo em busca de respostas e pensamentos para situações não criadas directamente por mim, pura e simplesmente encolhi os ombros e regressei à caserna.
Como “compensação” e por termos demonstrado capacidade e concentração mentais, sentido de responsabilidade, rigor disciplinar e outros factores dignos de realce [os mesmos critérios que fizeram com que fossemos seleccionados para a E.A.M.A.], foi dito que alguns de nós iriam tirar uma especialidade digna de todos esses nossos recursos; o curso de radiotelegrafistas no ATMA, em Luanda.

Enquanto para a E.A.M.A. era uma questão de se saber inglês, para a ATMA eram outros padrões os exigidos e de nível intelectual superior, ou seja, a continuidade da conversa da treta.
Obviamente se aquele discurso era para encher o ego de cada um de nós é evidente que o encarei como de menor importância. Nunca me dei a elogios, viessem de onde viessem, pois tudo quanto eu quisesse fazer sempre seria com dedicação, bastante empenho e sentido de responsabilidade, em permanente exigência para comigo. Sempre tinha sido e assim continuaria a ser.
Passados dias fiquei “Pronto da Instrução Básica” tendo também sido classificado como atirador de 1ª classe em tiro de carreira com espingarda automática, isto é, em cada tiro um buraco no dito alvo, tanto com a velhinha Mauser como com a G3, tendo tido mais dificuldades de tiro com a F.N.

** com a Mauser 98K **


No dia 3 de Abril de 1971 [Sábado] prestei o “Juramento à Bandeira” dizendo adeus em definitivo ao R.I.21 e a Nova Lisboa, capital do planalto central.



No dia 17 de Abril desse ano apresentei-me no ATMA para inicio do curso na especialidade de radiotelegrafista. Curso que terminei no dia 21 de Agosto.



Mas esse percurso será para um outro tema do meu “Reviver Estórias

Saudações e Inté

**mais tarde, já em Zau Évua, talvez “embalado” por alguma poesia que desde Ambriz tinha começado a escrever e como tempo era o que menos faltava, lembrei-me do inicio da “aventura militar" e dei-me a escrever o que abaixo reproduzo, na simplicidade da palavra escrita, sem artifícios nem retoques posteriores. Era o que sentia como retrospectiva àqueles tempos de recruta passados no R.I.21.

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