sexta-feira, 15 de julho de 2011

 

Luanda 1963 «» a Grande Enxurrada


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** The Shadows – Ghost Riders In The Sky **


Desde alguns dias que Luanda se debatia com uma anormal pressão atmosférica. A humidade adensava-se e bátegas de água com ventos fortes à mistura faziam com que o luandense mais atento andasse com o nariz “espetado” para o céu, fazendo-o franzir o sobrolho.
Nas conversas já demonstrava alguma apreensão e receios ao dizer … mais dia, menos dia, “isto” vai dar “molho”... E o “isto” era mais o pressentir que o ver, o saber. Era a intuição da sobrevivência que o Homem, desde os primórdios da história do mundo, aprendeu a ter quando em contacto permanente com a Natureza e seus elementos.
A sabedoria ancestral do Homem fazia-o acreditar que nada de bom estaria para acontecer à cidade e seus habitantes. E assim aconteceu.
E a borrasca desabou sob Luanda.

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Os aguaceiros caídos durante o dia 20/21 de Abril [Sábado/Domingo] passaram a chuva diluviana e incessante e a forte ventania faziam antever que aquela noite não iria ser tranquila. Trovoadas vigorosas “estremeciam” Luanda e os relâmpagos faziam a noite parecer dia. Foi uma noite longamente longa, apavorante, de vigília constante. A noite foi sendo vencida pelo aproximar da madrugada, do dia.
Os receios do Homo sapiens haviam-se tornado realidade. O caos estava instalado em Luanda.

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Autênticas montanhas líquidas tinham irrompido por diversas artérias da cidade como se de vários rios se tratassem, tudo arrastando à sua frente. Terras argilosas dos morros vindas da parte alta da cidade transformaram-se em centenas de metros de lama, com areias, pedras e entulho à mistura, entupindo sarjetas, rebentando condutas, colectores, saneamentos. As infra-estruturas devido às súbitas e inesperadas inundações tinham cedido, rebentando.
Onde antes existiam ruas, avenidas, árvores, casas, agora surgiam profundas “gargantas” escancaradas nas entranhas da terra. As torrentes de água tinham cavado imensas valas em importantes artérias da cidade “engolindo” viaturas, maquinaria diversa, árvores e impedindo a circulação normal do trânsito e de transeuntes.

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Residências foram inundadas e famílias inteiras tiveram apressadamente que as abandonar e alojarem-se em casas de familiares ou de amigos, pois tudo tinha ficado à mercê da fúria das águas e dos elementos que transportava.
Em alguns bairros e partes da cidade os automóveis circulavam com água pelas portas e casas foram por aquele “mar” arrastadas.
A enxurrada tudo revolvia, tudo revolveu. Foram horas intermináveis de pavor, de sofrimento. Morros transformaram-se em barrancos, crateras.

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A água nalguns pontos da cidade subiu de tal forma que submergiu viaturas e casas.
A baixa luandense foi a que mais sentiu os efeitos da grande enxurrada. Toneladas de lama e pedras levadas pelos rios de água em que a chuva se transformou inundaram completamente os estabelecimentos provocando prejuízos materiais avultados. As estruturas foram abaladas pelo ímpeto da corrente louca, equipamentos de diversa ordem soterrados, assim como viaturas que se encontravam estacionadas ou em movimento. Tudo foi demasiado rápido para se salvar fosse o que fosse. Grande parte da baixa ficou atolada, intransitável.

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A incredulidade e a estupefacção deram lugar ao desespero, à perplexidade. A realidade estava a ser demasiado atroz para que fosse verdade. Anos de investimentos, de sonhos, transformados em nada, ou seja, em lama barrenta.

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Mas Luanda soube resistir a tudo isso e arregaçou as mangas para regressar à normalidade. Após o caos começou serenamente a tratar as suas “feridas”.

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Lentamente, mas com segurança, criou novas infra-estruturas de saneamento básico e novos conceitos de escoamento pluvial foram implementados. Algumas das ruas esventradas foram completamente requalificadas e desenhadas para transmitirem mais capacidade de resposta a uma capital que queria crescer de forma pujante e solidificada. Os bairros periféricos também sofreram obras de pavimentação, alargaram-se ruas e avenidas, foram criadas barreiras para sustentação de alguns morros, enfim, soube-se tirar ensinamentos do mal acontecido e aproveitou-se a oportunidade para o arranque final na modernização, embelezamento e alargamento da cidade capital, preparando-a para melhor enfrentar o seu novo Futuro.
Poderei até afirmar que a “Grande Enxurrada de 1963” terá sido o mote para que Luanda começasse a transformação plena que a tornou na mais moderna e bela capital de toda a África Ocidental.
Até que em 1967 aconteceu de novo o “Grande Temporal”.



Saudações e Inté



Comments:
Vivia na ilha estava em luanda há pouco mais de dois meses e nessa noite acordei a "nada" autenticamente, as algas do mar eram arrancadas deste e projectavamse contra as janelas de minha casa.
Foi um susto!
 
Nessa altura vivia na Rua Pinheiro Chagas ali abaixo do Quinaxixe, grande parte do nosso quintal foi mesmo nessa enxurrada, o caudal era tão grande, que tivemos mesmo de mudar para uma das casas vagas no Bairro.
João Alegria
 
Eu lembro-me bem deste flagelo que caiu sobre Luanda. Porque em Maio de 1963, precisamente no dia 13, dia de Nossa Srª de Fatima, faleceu a minha irma ao dar à luz uma menina na Casa de Saude de Luanda. Outros tempos, mas Deus assim quiz.
 
Embora não estivesse em Luanda nessa altura, lembro-me bem da tragédia intensamente divulgada na TV em Portugal quando estava a fazer o serviço militar na FAP.
 
Ora se me lembro, foi em Abril de 63. Trabalhava na Fazenda e Contabilidade, na Mutamba, saí para o almoço a correr para apanhar o maximbombo 8 da Vila Alice já debaixo de fortes pingos, mas meu Pai atrasou-se e ficou retido no edifício. Depois do almoço já nem consegui sair de casa pois a chuva só abrandou lá pelas 4 da tarde e deixara grande parte da cidade absolutamente irreconhecível. Fantástica foi a reacção da Câmara Municipal que de imediato reuniu e logo nas primeiras horas da manhã seguinte haviam grandes quantidades de máquinas e de homens a remover o lixo, as terras, o entulho e a providenciar a reconstrução em tempo recorde. De todo o lado surgiram boas vontades e competência. A cratera que se abriu frente ao S. José de Cluny abarcava todo o largo! As Ingombotas iam sendo tragicamente engolidas e ficou intransitável. A Rua Luís de Camões virou um desfiladeiro, inclusive com um maximbombo inteirinho lá dentro. Várias viaturas foram arrastadas para o meio da baía. As caves dos prédios do centro da baixa ficaram cheias de lama até acima (Pereira Forjaz, Salvador Correia e cercanias). Foi um descalabro. Daí a construção do famoso "emissário" de esgotos com um diâmetro nunca antes por ali visto, para recolher as águas pluviais dos vários esgotos a montante na zona da Brito Godins, atravessando os Lusíadas e indo desaguar no oceano.
 
Lembro que o meu primeiro temporal foi quando chegamos meses depois e ainda vivíamos no Bairro da Cuca e o senhor que lá ia receber a renda numa motorizada era o pai do sor Zé e do Chico...baixinho e cheiinho, aquilo foi um dilúvio para nós que não estávamos habituados às chuvadas tropicais, a rua abriu fendas, viemos cá para fora incrédulos...mais tarde foi o de 63, enfim.

Beijinho da garota
 
Mano

Muito vagamente me lembro disto. Lembro-me de estar ali perto do Colégio S. José de Cluny pois era por aí que eu ia para o trabalho (trabalhava já perto dos Coqueiros) depois de atravessar o Bairro Operário (ía a pé, que remédio) e ver o caos instalado por aquela zona.

Pouco mais ficou na memória, talvez pelo que aqui referes. A partir dessa altura Luanda modernizou-se e transformou-se na linda cidade que foi (embora já o fosse mas sem grandes infraestruturas).

Mas as enxurradas eram uma constante e ali ao pé do Mercado do Quinaxixe, era certo e sabido que se tornava tudo intransitável.

Para memória de quem por esse tempo passou e viveu, é sempre bom este recordar.

Abraços!
 
Mano

Embora este video seja de 1993, quando chove (na parte final do vídeo), acontece sempre o mesmo... Cheias!

:))

http://www.dailymotion.com/embed/video/xkom8k
 
Como lembro ........... tudo um caos , e o B.O. num lamaçal ,enfim a projeção de Luanda num futuro!
 
Lembro-me bem!
Andava no Paulo Dias e ia à Mutamba, apanhar o maximbas nº4, para S.Paulo, onde o meu velhote já tinha o Megestic.
Foi inicio da reconstrução da grande Luanda.
 
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