sexta-feira, 21 de outubro de 2011

 

Luanda «» Encontro(s) da Noite [II/II]


»»Clicar para Tocar««
** Jane Birkin & Serge Gainsbourg – “La Décadanse” **


Deixo o carro onde se encontra estacionado e a pé contorno o quarteirão para o Largo do Pelourinho onde àquela hora só os noctívagos e boémios é que por ali deambulam a caminho das várias casas e bares nocturnos existentes na zona; o Nina Bar, o D. Quixote, o Xeique Bar e mais um ou outro. É a magia da noite em todo o seu esplendor.
Lentamente circundo o Largo enquanto penso onde ir. O maldito fumo continua a incomodar-me e sinto a garganta a “arranhar” devido à pressão de querer oxigenar rapidamente os pulmões forçando o inspirar/expirar. Decidido encaminho-me para o D. Quixote um cabaré onde só tinha ido umas duas vezes. Não sou frequentador de cabarés pois aprecio mais idas a bares ou boites já que o ambiente é totalmente diferente e onde sempre se encontra pessoal conhecido, a conversa desenrola de forma fluente e participativa e o que tiver que acontecer também acontece. Mas como nesta noite pretendia realmente estar só para ficar acompanhado nada melhor que ir a um bar americano ou a um cabaré. Ao entrar no D. Quixote pergunto ao porteiro como está o ambiente respondendo este que já houveram noites bem melhores e que não vê melhorias dado o clima de alguma instabilidade que se começa a sentir à noite. A informação tenho-a como interessante, olho para as horas que o relógio marca e decido entrar. A intuição, após a informação conjugada com o que já tinha reparado no Cortiço, diz-me que seria mais que provável que alguém poderia querer ter companhia quando na realidade era eu quem a queria ter. Era o tal "feeling" de quem de alguma forma frequenta a noite nocturna.

** contra-luz magnifico da Marginal e baía no seu nocturno espectacular **


Entro e durante alguns momentos faço o possivel para ficar o tempo suficientemente parado para que a minha presença seja notada. É uma estratégia a aplicar para quem quer ser “visto” e eu pretendia que em mim reparassem. Estava a lançar a minha “cartada” pretendendo encontrar alguém que “pegasse” no jogo.
Num estrado, e acompanhado por uma pequena orquestra, um cantor canta uma romântica canção criando a atmosfera para que o ambiente seja o mais sensual possivel, mais envolvente entre os frequentadores e as “residentes”. Ao contrário do Cortiço em que fiquei de pé encostado ao balcão aqui tenho a “obrigação” de me sentar a uma mesa pois foi esse o “estatuto” que criei quando “revelei” a minha entrada. Sento-me e peço um gin tónico à profissional que entretanto se tinha acercado da mesa que, com voz bem timbrada e fresca, pergunta-me se pode sentar-se a meu lado e se peço uma bebida para ela pois quer estar ali comigo e só com o pedido de uma bebida é que isso é possivel. Olho-a, pois ainda não tinha nela reparado, e o que vi e ouvi agradou-me o suficiente para lhe dizer que podia sentar-se a meu lado e pedir as bebidas, a minha e a para ela. Conclui que ela teria “pegado” na minha “apresentação de entrada”, isto é, ter-lhe-ei talvez agradado o suficiente para ela pretender sentar-se à minha mesa e “verificar” o que poderia resultar.

** os neons publicitários multicolores da Salvador Correia **


Bebidas trazidas, conversas de rotina havidas, dou por mim a pensar que o "feeling" poderia efectivamente traduzir-se em factos e actos reais. Enquanto conversamos alguns pares dançam com os corpos e peitos bem apertados no eterno jogo da sedução. Elas a procurarem as bebidas e/ou o engate, eles a procurarem engatar e levar dali a “dama” para outros “voos”. O interior do cabaré, apesar de com pouca gente, estava quase irrespirável, adensado por uma imensa nuvem de fumo. Luz de meia-penumbra, fumo, musica, bebidas, pista de dança e mulheres profissionais são os ingredientes que compõem o interior de um cabaré em actividade. Para sessões de strip-tease geralmente existe um varão ou uma cadeira, mais esta que aquele, para um show de sensualidade artística que por vezes de artístico nada tem.

** Rua Sousa Coutinho e Luis Camões **


Por a conversa de interesse nada ter e alguém teria que se manifestar digo à minha acompanhante que não estou minimamente interessado em perder tempo em continuar lá dentro e pergunto-lhe se tem companhia ou se está disponível para que eu seja a dela. Noto-lhe um franzir no sobrolho enquanto os olhos espelham um sorriso interrogativo pelo meu “descaramento” repentista, talvez não muito habitual para ela. Fixo, com olhar de sorriso divertido, o seu olhar prospector como se sondasse o interior das minhas intenções e, após alguns “longos” segundos, levanta-se sem nada dizer regressando logo depois sentando-se de novo. Reparo que seu olhar tem o brilhar do desafio, da aceitação da promessa que em mim teria visto. Diz-me, quase sussurrando, que obteve "autorização" para sair dada a pouca clientela existente, que lhe agradei desde o momento em que me viu à entrada e que gostaria que eu a acompanhasse. Para eu aguardar durante uns momentos depois dela sair e ir ao balcão pagar as bebidas e depois sair naturalmente, mas para reparar se um cliente, tendo-me discretamente indicado qual, não sairia ao mesmo tempo que ela dado tratar-se de alguém com quem ela tinha recusado sair momentos antes de eu entrar.

** Mutamba – aspecto nocturno **


Percebi de imediato a situação e deixei decorrer o tempo que me pareceu necessário para ir ao balcão enquanto constatava que o “negado” não tinha dado pela saída dela e, assim sendo, iria fazer os possíveis para também não dar pela minha saída, já que a tinha visto na minha mesa. Felizmente tudo decorreu com normalidade e o dito cujo não deu pela saída de ambos.

** Cruzamento do Polo Norte **


Encontro-a um pouco mais à frente, resguardada para não ser vista pelo outro caso ele saísse se desse pela sua ausência, olhamos-nos e sorrimos divertidos com a situação. Pergunto-lhe se está de transporte próprio respondendo que não já que devido à sua actividade era mais prático recorrer a um táxi quando não tinha com quem sair. Digo que tenho o meu carro junto ao Cortiço e para ele nos dirigimos. Já no seu interior pergunto se está com algum apetite para "penicar" e se sim que podíamos ir até à Petisqueira petiscar do que lá houvesse. Verifico que fica surpresa com a pergunta e com a sugestão que avanço olhando-me como se eu fosse uma "ave rara". Esperaria talvez uma outra “pressa” de mim e não um convite daquele género. Responde que sim, que lhe agrada o convite já que há algumas horas nada comia. e que ficaria mais reconfortada pois assim sendo não teria necessidade de ter que fazer fosse o que fosse, mesmo que ligeiro, quando chegassemos ao apartamento. Sorrio interiormente com a surpresa que continuava a proporcionar-lhe e conclui que o jogo estava mais que ganho. Esta minha ultima pergunta e sugestão tinham sido o cheque-mate definitivo. Esta era a minha forma de ser, de estar e de proceder fosse com quem fosse e aonde fosse. Pura e simplesmente eu era totalmente imprevisível, havendo situações em que eu próprio me surpreendia. Esta forma de comportamento não era pensado, premeditado e apenas acontecia no momento em que tivesse que acontecer.

** Cine Teatro Nacional e Largo D. Afonso Henriques **


Chegados à Petisqueira, um género de tasco mas de bom ambiente e convivo sito ao lado do Nacional e que às 2/3 da manhã se encontra quase sempre repleto devido ao apetite que ataca os noctívagos, taxistas, o pessoal das 2ªs sessões e não só, mandamos vir umas moelas, uns pipis e para rematar um caldo verde para ela. Ela de quem ainda não sabia o nome nem ela o meu. Também eram regras da noite nocturna. Ninguém perguntava o nome pois já se sabia que nenhum dos nomes corresponderia ao verdadeiro. Se as coisas se proporcionassem então naturalmente cada um diria o seu sem necessidade de o outro perguntar.
Saciado o apetite pergunto para onde me dirigir tendo-me dito que vivia num apartamento no Largo das Ingombotas. Chegados diz-me para estacionar frente a determinado prédio e entramos. No apartamento, que dava vistas para o largo, após alguns minutos de conversa e de nos pormos mais à vontade pergunto se posso tomar um duche, pergunta que teve o condão de continuar a mantê-la surpresa e perplexa quanto à minha “desenquadrada” forma comportamental de agir. Esta situação também era muito própria de mim e com isso também procurava que a companhia que a qualquer momento comigo estivesse me acompanhasse naquela salutar e higiénica função desde que houvesse tempo (era o fundamental), que no local existissem condições para esse efeito e obviamente se ela estivesse com estado de espírito para me acompanhar nessa acção o que, regra geral, tinha sempre acontecia. Também era uma prática que desde alguns anos atrás tinha começado a ter como que simbolizando “limpar-me” moralmente do acto lavando o corpo sabendo que a alma não o podia fazer, considerando que o sexo circunstancial apenas é para satisfação desse mesmo corpo mas não da alma.
Talvez mais pela expectativa do que pudesse acontecer fora do “padrão dito normal” aceitou tomar banho comigo. O escorrer da água, o esfregar dos corpos e o contacto físico fizeram com que a volúpia dos sentidos, do toque e do prazer sensual que os olhares transmitiam derrubassem as barreiras existentes entre dois desconhecidos, envolvendo-nos numa atmosfera de paixão desenfreadamente controlada e limpa de outros preconceitos que não fossem os que nos levaram a estar fundidos num só corpo, num só estado de entrega total, sem regras, sem tabus. A profissional tinha dado lugar à mulher sedenta de obter prazer pelo prazer de também dar. Esse estado do dar e obter também eram, desde que o momento, o ambiente, a envolvência mental e jogos de sensualidade, factores que conjugados propiciavam a procura do clímax para ambos os parceiros.
Um outro factor que considerava quase determinante era de procurar não ter que pagar para obter "favores sexuais", embora compreendesse que essa era a essência principal da actividade que profissionalmente estivessem a desempenhar. Era este o único factor que me fazia entrar em determinados jogos de empatia, de sedução, do aquilatar das possibilidades nesses locais diferentes dos comuns do dia-a-dia dos bairros de casas “gerais”. E como “jogador” eu sabia como lançar a “cartada” que podia dar em cheque-mate para a adversária ou em jogo nulo para mim. Mas se no inicio do "jogo" não sabia o que poderia resultar, já a meio tinha a perfeita noção de como poderia ser o final e aí a decisão era minha, a de ir ou não ir. Muitas vezes "perdi" quando na mesma pretendi ir, mas bastantes mais vezes "ganhei", como estava a acontecer na presente situação. Preferia despender o custo nos procedimentos do antes de, que no depois de.

** Igreja da Sé **


Tal como previra quando despertei cerca das 21H00 do dia anterior, sexta-feira, a noite foi longamente longa entrando pelo dia e entardecer de Sábado. Foram feitos os necessários e prudentes intervalos para que os estômagos fossem sumariamente saciados e os corpos tivessem descansos pontuais mas com o factor da lavagem dos mesmos sempre presente. Os banhos ajudavam a que a corrente sanguínea estivesse sempre renovável, num constante afrodisíaco refrescante para a estimulação e despertar dos corpos.

** Nocturno da Marginal/Avª Paulo Dias de Novais **


Nesse entardecer de Sábado deixo o apartamento e regresso. Agora quero estar só depois de querido ter estado acompanhado.

Saudações e Inté



Comments:
O 'leão' rodeando a sua 'presa' sem pressas pois sabe que tem todo o tempo do mundo.

:)

Uma 'viagem' intíma pelo calor da noite, em que dás em pinceladas o roteiro de várias casas noturnas que no nosso tempo tinha o nome de "Cabaré" imortalizada pelo filme e voz da Liza Minnelli.

... E assim se faz a história de quem tem estórias para contar de um país que quando a noite adormecia, a cidade acordava!
 
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