terça-feira, 11 de novembro de 2008

 

Independência … Foi há 33 Anos [ parte II ]


** Manuel Faria – Lamento de Quim Jorge **


A FNLA montou a sua sede na Avª Brasil, a UNITA na Avª dos Combatentes e o MPLA na Vila Alice. Depois foi um proliferar de Delegações e/ou Secções dos movimentos por toda a Luanda. Era a ocupação no terreno de locais o mais estrategicamente possível, para as batalhas que se avizinhavam. Os movimentos estavam a preparar ao pormenor o cenário para a guerrilha urbana, para a ocupação de Luanda por cada um deles, ou, quanto muito, uma aliança de dois. Na data havia em curso uma negociação para aproximar a UNITA ao MPLA, sendo a FNLA o movimento a ter que ser expulso.

Finalmente, e infelizmente, aconteceu o que há muito se previa. Instigados, dizem que por agentes profissionais da agitação e da destabilização, (mandaram-se primeiro estes para depois “entrarem” na “dança” as tropas dos movimentos), começaram nos bairros da periferia os ataques, incêndios e pilhagens a lojas de comerciantes portugueses.
Tiros, mortes, actos de vandalismo e violência quase diária começaram a ser “o pão-nosso de cada dia”, criando-se assim um clima de angústia, de incertezas quanto ao futuro imediato.



O exército português ainda ía acudindo aqui e acolá, mas sentia-se impotente para controlar tanta “loucura” armada, tanto mais que a “guerra” deles tinha terminado e só pensavam no momento de regressar a Portugal. A polícia também estava de certa forma manietada e a população começou a sentir necessidade de ir ter com os movimentos para serem ajudados na salvaguarda das suas vidas, dos seus haveres. Com este “empurrão” calculado ao pormenor, foi dado o mote para que as FAPLA, o ELNA e as FALA entrassem na acção já há muito agendada e aguardada.
Foi neste contexto que teve início a denominada “batalha de Luanda”, com o acompanhamento à “distância” do exército português. Era uma guerrilha pela tomada do poder entre os três movimentos e o exército português já há muito que tinha “terminado” a sua missão em Angola.

Rajadas sobre rajadas de metralhadoras, morteiradas, mísseis terra-terra e todo um infinito arsenal de material bélico começou a espalhar o terror e a morte junto da população desarmada e inocente, e nos exércitos envolvidos.
Para “animar” a situação, já que os brancos começaram a ripostar com armas de fogo ao fogo das armas dos assaltantes das suas casas, dos seus haveres e das suas vidas, um almirante de nome Rosa Coutinho, denominado de “almirante vermelho” mandou desarmar todos os portugueses que tivessem armas de fogo.
Indignada, a população branca, e não só, concentrou-se e manifestou-se junto da sede da P.S.P. contra tal orientação, mas nada fez demover as orientações emanadas desse famigerado almirante.
Mas é obvio que naquele caso, ninguém, ou quase ninguém, entregou qualquer arma.



Na continuidade dos seus protestos, a população branca organizou-se e efectuou caravanas de “revolta” na cintura interna de Luanda, buzinando de raiva pelo total alheamento a que se sentiu votada pelas autoridades portuguesas.
Essas marchas eram geralmente feitas ao entardecer numa demonstração de não medo, mas da mesma forma que começaram acabaram, pois dos musseques e de algumas delegações dos movimentos começaram a ser feitos disparos sobre as caravanas e ninguém estava para perder a vida de um momento para o outro em troco de nada.
Entretanto o famigerado Rosa Coutinho tinha-se incumbido de levar à prática a sua motivação politica, ou seja, a desmobilização, desarmamento e insegurança a todos os portugueses, a fim de provocar a sua fuga de Angola, e ao mesmo tempo criar as condições para que o MPLA fosse o movimento que liderasse a hegemonia sobre Luanda, capital da futura Angola independente.
Esta carta é bem demonstrativa dessas suas intenções.

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** carta de timbre oficial cuja autenticidade foi logo posta em causa mas R.C. sempre reconheceu que a sua assinatura **

Neste vale tudo, as populações dos musseques começaram o processo de ocupação e saque das casas onde viviam portugueses, que as tinham abandonado em busca de refugio mais seguro no seio de Luanda. Vi, por ficar perto de onde vivia, o Liceu Feminino a ser transformado num centro de “acolhimento a refugiados", que se faziam acompanhar dos mais variados artigos domésticos. Soube depois que Casas de Saúde e outras áreas seguras foram também transformadas em centros de acolhimento, por os desalojados não serem só de Luanda, mas também de vários pontos de Angola.

Face ao terror que foi instalado e ao abandono a que foram sujeitos, começou a dar-se o grande êxodo dos portugueses rumo a Portugal.
Filas intermináveis se formavam bem cedo na madrugada para obterem junto da TAP o bilhete “mágico” que os fizesse sair a tempo do inferno em que se estava a tornar Luanda, em que se tornara Angola.



O aeroporto estava repleto de pessoas que com malas, caixas, caixotes e diversos embrulhos procuravam fazer o Check-in.



A resposta do governo português era lenta e o desespero aumentava à medida que o tempo avançava e a guerra se agudizava cada vez mais. Não haviam aviões nem navios em quantidade suficiente para fazer transportar as centenas de milhares de portugueses que procuravam sair de Angola, forçados pelo descalabro das sangrentas batalhas e da destruição maciça das principais vilas, equipamentos e meios produtivos.



Mas a comunidade internacional e várias organizações humanitárias souberam compreender o que o governo português nunca compreendeu, ou não quis, e teve inicio a maior ponte aérea de que havia memória, fazendo com que centenas de milhares de portugueses, e não só, saíssem com vida do caos em que se transformara Angola.
Tardiamente, mas ainda a tempo, o Governo Português reconheceu a catástrofe e decidiu implementar mais navios e voos para Angola e participar em pleno na ponte aérea que terminaria, segundo o Alto-Comissário Leonel Cardoso, na véspera do dia da independência. Os que quisessem ficar ficariam por sua conta e risco.

Os nervos andavam em franja, pois dormia-se pouco, as noites começaram a ser de sobressalto e durante o dia deixou de também haver sossego, já que o fogo cruzado era quase constante. As ambulâncias andavam numa “roda-viva” a caminho dos hospitais. O Hospital de S. Paulo e o da Maria Pia “rebentavam” pelas costuras. Nas casas mortuárias começou a deixar de haver espaço para se colocarem mais mortos.

A “batalha de Luanda” ia avançando, cada vez mais encarniçada, mais cruel, mais descontrolada. Já nada era poupado. Disparava-se contra tudo e contra todos. Era o descalabro total. Só um movimento podia ficar a controlar Luanda, futura capital do novo estado, do novo país.



Se alguns portugueses ainda tinham dúvidas, elas foram-se dissipando com o desenrolar dos acontecimentos. O melhor era mesmo partir, deixando para trás tudo quanto tinham, mesmo a cidadania, tendo em atenção que muitos brancos eram angolanos de nascença. Mas eram brancos e o espaço de movimentação era cada vez menor.
Começou o grande encaixotamento. Pelo menos esperavam poder levar alguma coisa dos seus bens para em Portugal, ou num outro país para onde decidissem retomar a dura batalha de tudo recomeçar, não partirem do ponto zero, do nada. Durante semanas ouviu-se um toq toq toq constante do bater dos martelos nos pregos, nas madeiras.
Luanda estava a transformar-se num “enorme” estaleiro de carpintaria.
O destino era o porto de Luanda, onde pretendiam enviar pelos navios os caixotes de grandes dimensões.



Também pretendiam enviar pelos mesmos meios as suas viaturas.
E assim surgiram as longas filas de automóveis que aguardavam quase desde o cinema Miramar, descendo o Eixo Viário, indo pela Rua Direita de Luanda, a sua entrada no cais de embarque do porto de Luanda.
Eram quilómetros, quase compactos, de viaturas paradas, que de vez em quando andavam mais um metro, num percurso de várias horas, algumas vezes de dias.
O meu mano Mário também fez parte desse numeroso grupo de pessoas que estoicamente aguentavam aquele autêntico calvário.



[continua]