domingo, 31 de janeiro de 2010

 

Filme de Terror


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** René Joly – Chimène **


Mais o contar de uma estória, o relembrar de um momento das vivências da minha vida.
Estória simples, porventura comum a qualquer um dos que a possam ler. Mas é uma situação registada na minha memória e que pretendo partilhar. Assim o “Reviver Estórias” continuará vivo, activo e de certa forma surpreendente pela constante inovação das várias situações reais que descrevo, que relembro, por as ter vivido.
Este continua a ser o meu livro aberto daquela outra minha vida vivida no “Outro Lado do Tempo”.
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Como quase sempre o ponto de partida das minhas estórias é o Bairro de S.Paulo, aquele que considero ter sido “o meu” bairro.
Estávamos na década de sessenta e os filmes sobre “Drácula - o Vampiro” eram uma constante. Este género de filme bem cedo me atraiu, talvez pelo cenário das criaturas sobrenaturais, talvez pela “imortalidade” dos mortos/vivos até à estocada final, talvez pelo imaginário que me povoava a mente sobre o fantástico, o ocultismo e do sempre ténue equilíbrio da natureza humana entre a razão e o irracional. Assim bastante novo comecei a assistir à exibição de quase todos os filmes relacionados com essa temática. De entre os que me lembro constavam o Conde Drácula, As Noivas de Drácula, O Sangue de Drácula, Horror de Drácula e Drácula - O Príncipe das Trevas. E desde que os filmes tivessem como protagonistas os actores Christopher Lee como Drácula e Peter Cushing como o terrível perseguidor e matador de vampiros, fazia mesmo questão em os ver. Obviamente desde que pudesse, pois “kumbu” era coisa que não abundava.
Concluindo; Drácula, Frankenstein, Exorcista e todos os filmes de terror e de histórias assustadoras de possessões demoníacas eram os meus favoritos de entre todos os géneros que o cinema realizava.
Eu, Mário e os outros meus irmãos, à medida que iam crescendo, fomos verdadeiros e autênticos cinéfilos. Neste campo tivemos os nossos pais como principais dinamizadores.

É com este espírito de assombração "horripilante" que dou inicio a esta estória, a este contar, que intitulei como “Filme de Terror.

Morava ainda na Rua do Vereador Prazeres, Bairro de S.Paulo/Luanda. Teria talvez 16 anos, portanto em 1967. No Cinema Restauração



estava a passar mais um filme de Drácula que tinha, como protagonistas, os actores que acima menciono. Num dia ao fim da tarde/principio da noite, ou talvez à noite depois do jantar, encontramo-nos, como quase sempre [desde que não estivesse com a Cristina], no largo passeio onde ficava a Casa Lisboa. Eu, Albano, Abílio, Carlitos, Domingos, Zé Carlos, Tonito, Zé Henriques, Martins, éramos alguns de entre outros amigos do bairro e daquela rua que fazíamos daquele local o lugar privilegiado de encontro para as últimas de cada dia.

** Uma noite, numa dessas conversas, mas um ou dois anos antes, um deles lançou o repto sobre quem primeiro “engataria” uma garina que recentemente tinha ido viver para os novos prédios do Sr. Mota, construídos no terreno baldio que dantes servia para umas lutas livres entre os mais “bravos” de cada bairro [o nosso era o Pedro “maluco”], além de lá também se terem disputado alguns jogos de futebol.
Os contornos do repto e o resultado final ficarão para um próximo tema.**


Durante a conversa da noite que estou a relembrar disse aos amigos presentes que estava a pensar ir no dia seguinte ao Restauração ver o filme do Drácula, tendo perguntado quem estaria na disposição de também ir. Apenas o Albano, Carlitos e Zé Carlos disseram que sim, combinamos a hora de encontro e continuamos na conversa.
No dia seguinte, aí por volta das 20H00, encontramo-nos no mesmo local, apanhamos o maximbas da linha 4 (Bo. S.Paulo) até à Mutamba (términos de linha). Lá chegados “galgamos” a “penantes” a subida da Av. Álvaro Ferreira até ao Restauração.



Terminado o filme, com vampiros e sangue que bastasse até à estocada fatídica, como era da praxe, descemos de novo a Álvaro Ferreira até à Mutamba.



** Neste ponto convirá dizer que o Albano teria talvez mais dois anos que eu, eu e Carlitos éramos da mesma idade e Zé Carlos mais novo que nós, talvez um ano.""

Novos e com pouco “ferro” nos bolsos resolvemos, para poupar, ir a pé até S.Paulo. Do Restauração até S.Paulo seriam talvez uns 6 Kms, mas sendo jovens e habituados a grandes caminhadas a tarefa não era difícil de concretizar, pese o adiantado da hora para quem nesse dia [já estávamos no dia seguinte] tinha que se levantar cedo para “trabucar”=trabalhar. Estávamos no mês de Julho/Agosto e a cacimba notava-se bem. Era a época seca ou do cacimbo. As ruas estavam húmidas, escorregadias, as luzes dos postes de iluminação e dos reclamos não reflectiam a luminosidade habitual, parecendo foscas, amortecidas, e o ar da noite era fresco/frio. Os faróis de alguns carros que transitavam irrompiam a cortina de névoa provocada pelo cacimbo. Embora Luanda fosse uma cidade que quase não dormia, o certo é que se viam poucos transeuntes.
Avaliamos qual o melhor trajecto àquela hora [+- 00H15] e decidimos subir a Luís de Camões



até ao Mercado de Quinaxixe. Já no Quinaxixe e um pouco ofegantes, pois o ar rafeiro da noite e a subida estavam a causar mossa, resolvemos não ir pelos Combatentes (continuaríamos a subir] e rodamos para a Rua Mousinho de Albuquerque, que era plana.
A Rua M. Albuquerque começava no Mercado de Quinaxixe



e terminava na Rua António Enes, passando pela frente da entrada do Cemitério do Alto das Cruzes, ou seja, o cemitério velho. Era uma rua bastante arborizada mas mal iluminada por as grandes e densas copas das velhas árvores obstruírem as luzes dos espaçados candeeiros públicos. Durante o trajecto, desde a saída do Restauração, tínhamos vindo a conversar sobre o filme e o que cada um tinha a dizer do mesmo em relação a outros já vistos. Dado o esforço tido com a subida da Luís de Camões a conversa começou a rarear e já transpirávamos bastante devido ao choque térmico do esforço e o frio húmido da noite. Mas, ao mesmo tempo, e devido ao facto de termos vindo a falar demasiado sobre esse género de filmes, aliado ao aspecto sombrio e mal iluminado da Mousinho de Albuquerque “sentimos” que estavam a ser “construídos” cenários de resultados não previsíveis, como adiante se verá. Transpirados, filme de vampirada, o cacimbo espesso, a rua mal iluminada, as copas das arvores a produzirem sombras fantasmagóricas, sabermos que íamos passar pelo cemitério, faziam com que aquela rua nos parecesse mais comprida que o habitual. Chegados ao prédio cor-de-rosa da Rua de S.Tomé viramos para o Bairro Operário, pois atravessando-o chegaríamos rapidamente ao “nosso” Bairro de S.Paulo. A Rua de S.Tomé também não era bem iluminada, embora o Largo frente ao cemitério o fosse.



No passeio do lado direito, no qual caminhávamos, logo a seguir ao prédio rosa havia um conjunto de vivendas que se estendiam até uma outra Rua que delimitava o Bairro do Cruzeiro do Bairro Operário. Dessas vivendas pendiam folhas de palmeiras, troncos e folhagem de árvores das pequenas maçãs da índia e outro tipo de arbustos debruçados para a rua. Ao nosso lado esquerdo erguia-se o alto, branco e imponente muro do Cemitério do Alto das Cruzes, contrastando com a zona escura envolvente.



Estava montado o cenário ideal para a vampirada aparecer. O psíquico de cada um deveria estar a criar o “seu” filme. Pela frente tinhamos o negrume do Bairro Operário, qual catacumba para onde o Drácula levava as vitimas e onde tinha o seu caixão de veludo avermelhado para repousar. Ao lado e para além do muro do cemitério deveriam estar os zombies a profanarem os túmulos e a mutilarem cadáveres. O filme “Drácula - O Príncipe das Trevas” devia estar, naquele momento, bem presente no nosso subconsciênte, pronto a ser despoletado. Com esses “temores” e “terrores” latentes e as “fantasias do fantástico” a ocuparem a inteligência e a clarividência cerebrais/mentais, penso que sem nos apercebermos deveríamos estar com todos os sentidos em estado de “alerta máximo.”
Caminhávamos calados quando de repente ouvimos, bem perto de nós, bem junto aos ouvidos, um grito horripilante de terror que nos atingiu e trespassou-nos o corpo de forma glaciar. Um de nós [no momento não soubemos qual] começou a correr de forma alucinante e os restante [eu incluido],como que impulsionados por uma mola invisível, começamos também a correr que nem loucos.

A Rua principal do Bairro Operário foi “voada” sem que nunca olhássemos para trás. As luzes dos poucos postes de iluminação existentes criavam as mais estranhas e dantescas sombras que sobre nós se lançavam, prontas a devorar-nos. Corríamos sem sabermos porquê, de quê, ou de quem. Apenas corríamos por acção do grito e dos “temores” imagináveis tornados “realidade.”. Chegados a S. Paulo cansados e agora não transpirados mas completamente encharcados de suor, foi cada um directamente para sua casa sem despedimentos. Também morávamos todos na mesma rua e praticamente ao lado uns dos outros.
Nesse mesmo dia ao entardecer encontramo-nos para sabermos se algum sabia o que tinha sucedido, se algum sabia o porquê daquele grito horrível que ainda estava entranhado nos ouvidos, nos cérebros, se algum sabia da razão daquela louca correria. Eu, Carlitos e Albano nada soubemos dizer, tendo-se concluído que não tinha sido nenhum de nós a gritar, que não tinha sido nenhum de nós o primeiro a correr em alta velocidade. Só nos restava ouvir o Zé Carlos para qualquer explicação que soubesse dar. Como não estava presente e não querendo demorar mais tempo em sabermos algo de concreto dirigimo-nos à mercearia que os pais exploravam no r/c do prédio do Sr. Mota, mas dele nem sinal de vida. A mãe ao ver-nos perguntou-nos o que é que se tinha passado pois o filho não se tinha levantado de manhã e teve a porta do quarto trancada até cerca do meio-dia e que quando apareceu estava com um aspecto “horrível” e olheiras profundas de noite mal dormida.
Dissemos nada saber e que queríamos falar com ele precisamente sobre isso.
Após a mãe o ter chamado várias vezes, lá apareceu com o olhar cabisbaixo.
Então SOUBEMOS. O Zé Carlos, pouco à vontade, sabia o que se tinha passado.



Tinha sido ele quem gritou e quem impulsivamente “disparou” como louco. Por “simpatia” [termo militar] nós tínhamos seguido aquele seu impulso, aquele seu louco correr, após termos ouvido o grito horripilante, diria quase inumano. Então o que é que teria acontecido.
Com todo o cenário que acima descrevo começaram a estarem criadas as tais “condições” para o despoletar dos “medos” e dos “receios” ocultos interiorizados em cada um. E como se de um filme se tratasse só faltava a palavra “acção”. Essa foi dada através do roçar húmido de uma folha de palmeira ou de um dos arbustos das pequenas árvores debruçadas para a rua que, abanada(o) pela brisa fria tinha “acariciado suavemente” o rosto do Zé Carlos, “enregelando-o”.
A tensão, a imaginação e o “descontrole racional” fizeram o resto. Também ele era o mais novo. Mas depois de conversarmos bem e com honestidade sobre o assunto chegamos à conclusão que qualquer um de nós estava nos "limites" para qualquer tipo de reacção que só se saberia qual seria se situação idêntica acontecesse.

Gozamos com tudo aquilo quando soubemos da razão do grito, que nos tinha levado à louca correria desde o Bairro do Cruzeiro , Bairro Operário, até ao nosso Bairro de S.Paulo. Sentimo-nos aliviados e descomprimimos a inquietação e a ansiedade que tivemos durante todo o dia até à clarificação/explicação dada. Nos dias e noites que se seguiram quando do assunto falávamos ou olhávamos uns para os outros só desatávamos a rir. O sucedido também deu para que os outros amigos nos gozassem, pois relatamos o que se tinha passado. Éramos amigos e o acontecido fazia parte da conversa que ao fim de cada dia tínhamos quando o grupo se juntava.

Naquele momento gozavam eles, num amanhã seriam outros a gozar.

Saudações e Inté



Comments:
olá leo.Leio as tuas memórias, mas os meus comentários, são dificeis de chegar ao destino.Não entendo o que se passa. Bem, se este hoje passar, já sabes que deste lado alguém que lê e te acompanha. Um Abraço
 
Na altura eu tentei comentar o seguinte (não consegui). Eu sou desse tempo e cheguei a ver essa moda dos vampiros. Eu morava mesmo em frente ao cinema restauração. Falaste dos filmes dos vampiros, e não imaginas o quanto me ri ao imaginar essa cena. Eu acho que, a imaginação era uma forma de vida de quando da nossa juventude. Também no nosso tempo o passatempo era o cinema, bar, e praia. Eu não imagino esta malta jovem, após ver um filme do Bruce Lee, no fim da sessão andar ao murro e quando em vez, dar pró torto e chegar a casa com um bruto papo nos olhos. Não imagino, mas eu fui desse tempo. Como eu digo, a imaginação era uma forma de vida. Um abraço
 
Olá Edu,
Até eu me ri quando ao escrever o tema revivi aquele momento louco :).
E é como dizes sobre os filmes de kung fu do Bruce Lee e outros.
E nos filmes de cowboys no intervalo ao andar arqueavamos as pernas e os braços prontos a "sacarem" do coldre a pistola imaginária. Tinhamos imaginação, há quem possa chamar outra coisa, e viviamos o que viamos.
Outros tempos, outra forma de encarar a vida enquanto jovens.
Um abraço.
 
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