O Autor em 1973 Nome Leão Verde Localização Norte de Portugal Ver o meu perfil completo Música Angolana
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Namoro Negro
Confesso que senti alguma dificuldade em dar titulo a este tema, já que dois surgiram com a força suficiente para o serem.
Dado tratar-se de um tema em que procuro Reviver o momento em que pela primeira vez ouvi a canção do fundo musical, nada mais natural que o intitulasse de “A Canção é o Tema”. Só que no tempo marcante em que ouvi a canção estava eu com o “Namoro Negro”. Assim decidi dar o titulo de “Namoro Negro”, procurando prestar a minha homenagem a quem naquele tempo da minha ainda jovem vida por mim se apaixonou de forma sincera e totalmente desprendida. Ano de 1966. Bairro de S. Paulo na cidade de Luanda/Angola. Teria uns 15/16 anos e morava no nr 14 da Rua do Vereador Prazeres. Situava-se esta Rua entre a do Quicombo e a da Missão de S. Paulo. Percorrendo a Rua no sentido do Cinema Colonial (Cló-Cló como carinhosamente o tratávamos) logo a seguir à casa onde vivia era a vivenda da Familia Henriques [Sr. Henriques, D. Margarida e os filhos Óscar, Arlete, Ernesto, Manuela, Eugénio (Zé), Carlos e Jorge]; depois a Família Sousa (Sr. David, D. Esperança e os filhos António, Isabel, Domingas, Cristina e mais um ou outro de quem não me lembro dos nomes e a Matilde). Antes de chegar ao inicio do muro do Colonial e imediatamente a seguir à Família Sousa vivia o Sr. Licurso e a filha Julieta. No momento não me recordo do nome da esposa/mãe. Esta descrição tem, como é evidente, ajudar a identificar algumas das famílias vizinhas à minha. No nr. 14 interior vivia a Família Leonor [Sr. Simões, D. Natália e os filhos José (Zé) e Francisco (Xico)], e na frente a Família Lima [Sr. Lima, D. Aurora (meus pais) e os filhos Josué (eu), Mário, Alfredo (Alfa), Fátima (Fatinha) e António (Tony)]. Minha irmã mais velha (São) já tinha casado e vivia perto de nós O céu, como que tingido de tons raiados no seu crepúsculo, tinha dado lugar à exuberância do anoitecer, antes da abrupta chegada da noite. Luanda estava a repousar após mais um dia de intenso labutar sob o seu sol escaldante. No Bairro de S.Paulo, nomeadamente naquela “minha rua”, o silêncio era, de quando em quando, rompido pelo “chiar” de pneus ou o “ron ron ronnnnn” de algum carro ou motorizada que circulavam ou paravam nas bombas da Shell, sitas no Largo da Rua. Seriam umas 20h30 e as famílias, depois de jantarem e arrumarem a cozinha, preparam-se para a cavaqueira com os vizinhos, uma saída até às montras da Rua Paiva Couceiro ou tomarem um café no Ginga, no Munique (em 1974 passou a chamar-se Ponderosa), ou no Londres. Outras talvez possam ir até ao Cine Colonial e verem o filme que esteja a passar ou então irem até ao Café Mariazinha, que fazia gaveto com a Rua Missão de S.Paulo e a Rua de Ambaca. No balcão e nas mesas a servirem os clientes estariam o Sr. Hermenegildo, a D. Mariazinha e o filho Carlos. A filha, de nome Luísa, raramente ajudava os pais à noite. A sua ajuda era mais aos Sábados à tarde e aos Domingos de manhã. A noite quente também convidava a um passeio mais alargado até aos Combatentes para se verem as últimas novidades nas montras e depois beber-se um café no Caniço, Mónaco ou Paladium. Ou um saboroso gelado no Monte de Neve, junto ao Paladium, ou até no próprio Mónaco. Tudo dependia da disposição, da constituição da prole e dos escudos angolanos de cada família. O Bairro de S.Paulo era essencialmente constituído por trabalhadores por conta de outrem. E a vida não era fácil, como bem o sabem os que lá viveram e trabalharam. Não havia televisão em Angola e cada um vivia o tempo da melhor forma que soubesse, que pudesse. Acabado de jantar levanto-me e preparo-me para sair. Tinha uns 15 ou 16 anos como acima menciono. Antes de sair digo … “estou aqui ao lado” … . Mais uma vez ouço o que nunca gostei de ouvir. Mas já estava, infelizmente, habituado àqueles ditos e não era por mais uma vez os ouvir que me iria inibir de estar com quem eu queria estar. Com olhar frio e interrogativo olho para trás, encolho os ombros e calmamente saio. Cá fora, junto à casa onde vive, está o meu amigo Carlos e a mana Manuela que espera a chegada do namorado. Com as mãos nos bolso e olhar pensativo devido ao que tinha ouvido, pois magoava a minha sensibilidade e estima própria, saúdo os dois e converso um pouco com o Carlos. Na vivenda mais ao lado e ao portão está Cristina, que por mim aguarda. Cristina, uma das filhas de David Sousa e D. Esperança, era uma moça negra fula (filha de mãe negra e pai mestiço). Ela adorava-me, era e sempre foi uma apaixonada por mim. Mesmo quando me “perdeu”. A família também gostava de mim, acarinhavam-me, tratavam-me com atenção, consideração e importância, sendo o “menino querido” daquela casa. A esse bem querer correspondia com o meu sorriso, com o meu respeito, com a minha presença de homem já feito no trabalho e na responsabilidade. Gostava de estar com aquela Família, gostava de estar com Cristina e com ela conversar. E aquela noite, a exemplo de anteriores e futuras, não fugia a esse estado de alma. Ainda do lado de fora do portão dei-lhe um beijo leve, sereno. Comportava-me como um homem maduro, apesar da minha jovem idade. Conhecia a Cristina há alguns anos, pois naquela casa ela tinha nascido e nela vivia quando para aquela Rua a minha Família foi morar. Sendo vizinhos desde que cheguei a Luanda em 1962, tinhamo-nos “descoberto” há pouco mais de um ano. Abriu o portão para eu entrar e já dentro a ele continuamos encostados, enquanto ela “bebia” o meu rosto, o meu sorriso, o meu olhar. Ao fundo da Rua via-se o néon de alguns reclamos; da Foto Beleza, da Sabú, do Chiado de S.Paulo, da Casa Lisboa e outros. As bombas da Shell, no Largo bem ao centro da Rua, despejavam a sua poderosa iluminação até vários metros de distância. Da bilheteira estreita do Colonial saia uma réstia de luz e lá dentro estaria por certo o Sr. Ramos, que vivia no Largo de Ambaca, a fazer esse trabalho extra para ganhar mais uns “angolares” pois, e já o disse, a vida não era fácil. Um ou outro transeunte abeira-se e dobrando o tronco compra o bilhete para a sessão das 21H30, enquanto a sua silhueta toma uma forma esguia e grotesta devido à contra luz da luz vinda do interior da bilheteira com a luz pálida e soturna do candeeiro público existente no passeio. A Rua começa a agitar-se com as brincadeiras dos mais novos nos seus largos passeios, enquanto mães e pais cavaqueiam uns com os outros. Daquele meu privilegiado posto de observação vejo meus manos Mário e Alfa atravessarem a estrada e irem ter com os nossos amigos Tonito, Manuel, Filó, Manecas, Guidinha, Flávio, Luis Filipe (Cid) e outros mais, para a conversação própria de jovens da mesma geração. A Rua, que até há momentos parecia estar adormecida, ganha vida, colorido, voz. Aquele meu observar era sempre o momento que antecedia o concentrar-me na conversa com Cristina, pois tínhamos bastante que aprender um com o outro. Por vezes apareciam a nosso lado as manas Isabel e Domingas e D. Esperança e a conversa passava a ser mais alargada, mais rica em conhecimentos a transmitir. Quando isso acontecia, sentavamo-nos nos degraus da escadaria da vivenda para ficarmos mais juntos, menos dispersos, mais intimistas na conversação. A noite que estou a Relembrar estavamos apenas os dois ao portão. Ouvimos o segundo toque de chamada para a sessão do Colonial, conversamos ainda um pouco e depois sentamo-nos no maiple sito no alpendre da casa. Um pouco mais tarde começamos a sentir que a Rua ficava mais silenciosa, sinal que algumas mães e filhos mais novos se estavam a retirar para o descanso, pois era necessário recuperar novas forças e energias para a labuta e estudos do dia seguinte. Sabíamos que alguns pais não acompanhavam a família no imediato, ficando a acabar a cavaqueira e a consumir o ultimo cigarro. Era o habitual de quase todos os dias. Ouvíamos o falar alto e as gargalhadas dos nossos amigos e amigas, sabendo que daí a pouco elas também teriam que recolher quando os pais se despedissem uns dos outros. Eram raparigas e para elas tinha chegado a hora de abandonarem o grupo. Também sabíamos quais as que ficavam a namorar e as que tinham o irmão como “sentinela”, como “controlador”, caso o pai já não estivesse com os amigos. Mas, regra geral acabavam o namoro quando o pai recolhesse. Isto se namorassem no exterior da casa. Era assim naquele tempo. Estávamos no maiple sentados quando me chegou o som do trautear de uma canção. A principio não liguei mas a forma sentida e melodiosa com que esse som me estava a chegar fez-me levantar e dirigir-me para o portão. Cristina, não sabendo a razão daquele meu procedimento, veio ter comigo. Vi vir do lado do Colonial para o nosso dois militares caminhando sem pressas, absorvendo talvez o prazer daquela noite calma, quente e estrelada. Eram eles os autores do trautear da canção que me fez levantar para saber de onde vinha o som, o tom enternecedor dos versos que deixavam queixumes, que deixavam sofrimento. Ficamos a vê-los passar à nossa frente, continuando o seu lento caminhar, sussurrando por vezes o poema da canção que me fez “arrepiar”. Vimo-los absortos na entrega de dar alma ao sentimento que queriam transmitir à melodiosa canção. Continuamos a vê-los a afastarem-se, no rumar do seu caminhar. Cristina ainda nada tinha percebido até à altura de lhe perguntar que canção era aquela que os militares cantarolavam, pois nunca a tinha ouvido na rádio ou nas discotecas (naquele tempo, em Angola, discotecas eram os estabelecimentos onde se ouviam e compravam discos) e tinha ficado sensibilizado com o que ela (canção) estava a querer transmitir. Respondeu que era uma canção que estava a passar há algum tempo na rádio e que tinha a ver com os militares vindos da “Metrópole”, as mães deles, coisa assim do género, mas não sabia qual o titulo ou o conjunto que a tocava. A melodia ficou em mim memorizada e como passados alguns dias ainda a recordava, procurando trauteá-la, quis saber alguma coisa sobre a mesma. Após alguma insistência na pesquisa, pois não tinha nenhuma referência digna, fiquei finalmente a saber o nome da canção e o nome do conjunto. E, por este facto, concluo que simplesmente o nome do tema deveria ser “A Canção é o Tema” Mas éramos novos e com a mudança de rua passei a ter outros caminhos, outros percursos. Sem dar por isso fui-me “desligando” apesar de todos os dias passar naquela "minha rua". Quando a via ia ter com ela ou ela chamava-me, falávamos do meu novo rumo de trabalho e sorriamos de algumas conversas tidas no nosso passado ainda recente, como se esse período da nossa vida não tivesse existido na forma como foi. O Tempo foi passando, a nossa amizade mantinha-se, até ter sido alertado por alguém muito próximo dela que Cristina sofria bastante quando não me via durante uns dias, que sofria quando dela me despedia, pois continuava por mim apaixonada. Por nunca me ter apercebido desse seu sofrimento e não querendo que isso continuasse a acontecer, tomei a resolução radical de deixar de passar naquela “minha rua de sempre”. Cristina foi uma bela página do livro da minha adolescente mocidade. Sei, ainda hoje, que terá sido a que mais de mim gostou, que foi uma eterna apaixonada. Até determinado momento da minha vida amorosa, daqueles meus verdes anos, nenhuma outra me terá querido tanto como Cristina. Quando "sentiu" que nossos caminhos iriam definitivamente divergir, ofereceu-me uma lembrança eterna no tempo e no sentido, tendo-me dito … "ofereço-tos com todo o meu amor para que me mim te recordes sempre que os puseres" … . Até hoje nunca necessitei de os usar mas isso nunca me impediu de a recordar, talvez por quase todos os dias os visualizar por necessidade de mexer no local onde se encontram. E lá sempre estarão até à minha "viagem derradeira". Saudações e Inté
Comments:
Olá mano
Confesso que embora já tenha lido este tema noutro lado e voltado a ler neste, ficou-me um nó na garganta pela tua última frase. Não sei o que é a Cristina te deu, mas seja o que for foi algo valioso pelo recordar, embora não necessites de colocar pois este tema demonstra bem que ainda não esqueceste um tempo lindo que tivéste no outro lado do tempo. Este tema é também um recordar de factos, de pessoas, de uma música que fez parte do nosso tempo pois ambos envergamos a farda e a música de "A Mãe" do Oliveira Muge passou também a fazer sentido embora nunca com a carga emocional com que outros tropas de outras paragens sentiam quando a escutavam. A nossa Rua de sempre, como o dizes foi sem dúvida a Vereador Prazeres. Estórias contadas por ti, em que também as vivi, porque estava ali a teu lado e sentia o quanto o facto de ires ter com a Cristina era repudiado. O tempo passa, fica a recordação e fica a certeza que num coração não cabe a cor da pele de ninguém mas sim o amor que vai para além da mesquinhez humana. Foi uma linda passagem tua, aqui revivida. Um abraço!
Lindas estórias tu tens para contar.
Deves ter partido muitos corações, bonitão como eras...:) E essa musica " A Mãe" também eu me recordo bem dela. Eu teria algumas estorias para contar mas seriam mais das asneiras que fazia e de ter partido a cabeça 9 vezes....pois é eu era muito traquina...hahahaha Beijokitas
Olá menina de Benguela e de Paris,
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apreciei teres revisitado o blog e deixado os teus comentários. Sobre corações eu é que andei sempre com o meu em "cacos" e ainda agora ando a "colá-los". Coisas da vida, digo eu. Seria interessante tambem contares as tuas estórias, pois essa de partires nove vezes a cabeça só mesmo contado. Já estou numa delas a ver-te agarrada a quem conduzida uma motorizada e ele de propósito a passar por lombas e mais lombas até tu te estatelares. E como naquele tempo não se usava capacete ... mais uma rachadela na cabeça :):):). Saudações e Inté << Home |