O Autor em 1973 Nome Leão Verde Localização Norte de Portugal Ver o meu perfil completo Música Angolana
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terça-feira, 31 de maio de 2011 R.I. 21 «» a Recruta [ II/III ]Um exercício que mexeu comigo, talvez por ser de ordem mental, foi um em que disseram para entrarmos num lago totalmente vestidos e calçados, para além de se ter que transportar a arma. Como nunca tinha entrado vestido e calçado para debaixo de algum chuveiro ou quando para dar uns mergulhos, causou-me impressão ter que cumprir essa ordem. Para mais quando a água do lago era barrenta e de cheiro pestilento devido a ter alguns detritos para causar o choque pretendido. Penso que o exercício teria a “carga” de eliminarmos barreiras psicológicas para que no percurso da vida militar estivéssemos preparados para enfrentar as diversas diversidades a enfrentar do meio ambiente. Após entrados no lago teríamos que nele caminhar mas levando sempre a arma acima da linha de água a fim de não permitir que ela tivesse contacto com a água, tornando-a inoperacional. Com a água acima da cintura o exercício ficaria completo quando no término do lago atravessássemos um túnel de bidões (soube depois que teria cerca de três metros de comprimento). Chegados ao inicio do túnel o percurso teria que ser feito a rastejar devido ao reduzido diâmetro dos bidões. Após ter penetrado verifiquei que os bidões apenas tinham água até metade do seu diâmetro por estarem situados acima do nível de água, só que a determinado ponto do percurso a água barrenta e pestilenta chegava quase à parte superior do interior do túnel e tínhamos que nos lembrar da recomendação de que a arma teria que ter o mínimo de contacto com a água. Para que isso acontecesse a arma teria que naquele momento ser elevada até tocar no interior superior do bidão e como esse espaço só dava para a arma ou para o rosto, este apenas para a função de respirar, a decisão só podia ser uma, imergir. Visualmente calculava-se a distância que teria que se percorrer em imersão [era uma distância curta] inspirava-se o máximo de ar possivel, imergia-se e fazendo força e pressão com os tacões das botas nos sulcos dos aros dos bidões arrastávamo-nos até ao momento em que se pensaria emergir com segurança. Se algum não enchesse bem de ar os pulmões ou calculasse mal o momento de emergir para respirar era certo que engolia alguma daquela água barrenta e nauseabunda ficando aflito. Nessa aflição voltava a ingerir mais água e em desespero “afogava” a espingarda. Na saída do túnel os instrutores verificavam o estado da arma e se esta não estivesse conforme o entendimento deles, que não sabíamos qual era, aplicavam ao recruta uma super G.A.M. que o arrumava de vez, além de ter que ainda ir ao pente zero. O que não percebi foi a “mecânica” do túnel estar meio cheio no inicio, de estar quase cheio a mais de meio do percurso e depois voltar ao normal de meio cheio. Tiro ao alvo na carreira de tiro, tiro técnico, aulas teóricas aliadas à prática, técnicas de observação, uma ou outra de camuflagem e desmontar e montar a G3, faziam também parte da instrução e estive sempre em nivel alto nas suas execuções. Encaminhados para a enfermaria mandaram que fizéssemos filas de seis/sete, para tirarmos a camisa de trabalho, ficando em tronco, e enquanto um enfermeiro!! espetava a agulha na zona dorsal outro vinha e seringava o liquido. Ou o liquido era grosso ou a agulha era para “cavalos”[daí a expressão de “injecção de cavalo”] o certo é que o conjunto da acção provocou uma dor estupidamente brutal. Alguns companheiros desmaiaram quase no imediato enquanto outros caíam fora da enfermaria devido ao sol e à dor. A outros deu-lhes febre de tal ordem que estiveram alguns dias em cuidados na enfermaria. Conclusão, a tal injecção que eliminava todos os males do mundo começou logo a ser nefasta para alguns companheiros. O acampamento foi montado numas matas onde perto passava um rio, ou riacho, e havia também uma lagoa. Fiquei a saber que toda aquela área era a destinada à semana de campo do R.I. 21 e também da E.A.M.A. Nessa semana muitos dos exercícios práticos e técnicos adquiridos durante a instrução foram aplicados. Atravessamos em largura e comprimento os cursos de água, “chafurdamos” na água barrenta, aprendemos a fazer progressão de forma ordeira, sem ruído, a emboscarmo-nos, como reagirmos a emboscadas, a tentarmos “ler” algumas pistas deixadas pela possivel passagem do “IN”, etc, etc. Numa das emboscadas há uma pequena estória para contar. O meu pelotão foi dividido em dois grupos sendo um o grupo do “IN” e o outro da tropa portuguesa. A questão era saber como ambos os grupos se portariam e reagiriam numa emboscada, sendo que no caso a emboscada seria desenvolvida pelo grupo “IN”, ao qual eu pertencia. Daí o facto de poder e saber contar o acontecido. Os “maiorais” esboçaram o plano no mapa e qual o raio onde a acção se desenrolaria. O grupo militar foi mandado avançar e teria que penetrar numa das matas existentes mas não sabendo em que local do percurso estaria o “IN” emboscado. Entretanto já o meu grupo “IN” tinha antes saído do acampamento a fim de prepararmos e montarmos a emboscada. Pela primeira vez “senti” que estava num cenário de guerra a sério, devido a todo o envolvimento. Com o passar do tempo o silêncio era tão absoluto que até me “doiam” os ouvidos. Estávamos emboscados numa pequena elevação de terreno e começamos a ver o grupo militar em cautelosa e ordeira progressão, atentos a todos os pormenores e sinais envolventes e por certo que com todos os sentidos em alerta máximo pois já sabiam que iam ser atacados, e isso devia ser terrível para eles, só que desconheciam em que momento e aonde. Deixamo-los entrar na chamada “zona de morte” e quando nos preparávamos para em surpresa os “atacar” eis que se houve um grito apavorante vindo de um dos nossos. É obvio que com o grito o factor surpresa virou-se contra nós tendo o grupo militar reagido prontamente e lá se foi a “emboscada”. O que é que aconteceu para aquele grito ter surgido e ter abortado a emboscada!. Ao ter-se estatelado no solo teve o azar de por aquele local estarem dispersas algumas dessas formigas que pura e simplesmente o atacaram penetrando através da farda de trabalho, mordiscando-lhe as carnes. Ter-se-á apercebido do que realmente lhe estava a acontecer e foi quando gritou em desespero ao mesmo tempo que ia tirando toda a roupa e calçado, tendo ficando completamente nu, enquanto o resto do grupo, instintivamente, desaparecíamos num ápice daquele local. Nunca até então, nem depois, tinha visto alguém a despir-se e a descalçar-se com tanta rapidez. Nem o Jean-Louis Trintignant no filme “Un homme et une femme”, quando começou freneticamente a tocar na bateria, fê-lo com tanta rapidez no momento em que a bela Anouk Aimée se despia por detrás de um lençol dependurado e a contra-luz recortava a sua formosa e delineada silhueta, como aquele meu companheiro de emboscada. Em relação ao filme considero ter sido um belo filme a preto e branco e vi-o no Miramar em 1967/8. Aliado ao filme uma notável banda sonora fizeram com que ambos tenham ficado bem gravados na minha memória. Filme marcante e nostálgico de uma linda época, a da idade da inocência, do qual deixo um pequeno sketch, assim como a banda sonora. Voltando à kissonde a sorte daquele companheiro e, por assim dizer, a de alguns de nós, foi que eram apenas algumas dezenas de desgarradas que por ali andavam. Se fosse o exército de milhões delas por certo que não tivesse tempo para escapar com vida e talvez um ou outro de nós também. Foi conduzido para a unidade já que no local apesar de se terem sacado muitas das que na sua carne tinham ficado com a cabeça enterrada, o certo é que teria que ser tratado convenientemente e psicologicamente. Todos os que vivemos a situação ficamos apreensivos com o sucedido e diversos pensamentos terão ocorrido a cada um. Aquele momento foi mais uma lição para o futuro percurso militar de cada um de nós. Também foi a primeira vez que ouvi falar dessa formiga como kissonde pois conhecia-a como "marabunta" de um filme com Charlton Heston que anos antes tinha visto nos SMAE, em que verifiquei que a sua ferocidade era fulminante. No acampamento, depois do susto, a risota e a laracha foram um nunca mais acabar mas felizmente a semana de campo estava a findar e regressamos à unidade com o espírito de grupo reforçado. Mais tarde, já quando na mesma especialidade que a minha, radiotelegrafista, o Júlio voltou a fazer das dele, tendo passado a maior parte desse tempo preso. Era um moço problemático, uma espécie de objector de consciência, e como não se livrou do alistamento terá ficado “passado”. Soube mais tarde que tinha conseguido dar o “salto” para a Suíça mas após o 25 de Abril regressou a Portugal e foi amnistiado. Procedimentos para se receber o pré. A companhia preparou-se e alindou-se como se fossemos para um baile debutante. Após formada verificamos a existência de uma mesa montada na área da companhia onde estava o sargento e mais outro [não me lembro se seria o capitão ou um outro oficial]. Fomos sendo chamados pelo nº de ordem, saíamos da formatura em passo de meia corrida [trote] e perfilávamos perante os donos do "kumbu". O sargento perguntava pelo nome, confirmava se o mesmo correspondia ao nº pelo qual tinha chamado, dizia qual o valor do pré e quanto iria receber (devido aos tais descontos que não se percebia o porquê), contava o "kumbu" à nossa frente e mandava assinar uma folha com o valor que pensávamos que seria igual ao que tínhamos recebidos. Recebíamos com a mão direita, passava-se de seguida para a mão esquerda, batia-se a continência, rodava-se e regressava-se à formatura enquanto outro companheiro já vinha para os mesmos procedimentos. Quando toda a companhia tivesse recebido é que seria dada ordem para destroçar, finalizando-se aquele pomposo cerimonial. Com tão "vasta fortuna” a reacção foi a de deixar uma boa parte na cantina, adquirindo um ou outro produto de maior necessidade e bebendo umas "bejecas". O esquema estava muito bem montado e o pré ficava de novo no exército. Daí o facto de nem para a gasolina dar. Numa manhã, em que por certo o almoço deveria ser entre arroz ou massa com frango, os escalados para prestarem serviço à cozinha do refeitório cortaram o pescoço a várias dezenas de galináceos e atiraram-nos para uns grandes tachos que se encontravam junto à cozinha e refeitório, não tendo tapado os mesmos. Ou porque ainda não estivessem totalmente mortos ou num último estertor conjugado com a acção do calor, alguns bastantes galináceos “esvoaçaram” dos tachos numa correria louca pela parada. Passado que foi o primeiro choque/impacto de se verem galináceos decapitados ou com os pescoços dependurados a correrem desenfreadamente, ouviu-se uma risada geral ao ver-se os faxineiros feitos “loucos” em correria tipo “Charlot” atrás dos moribundos, mas ainda não totalmente mortos, galináceos. A correria das aves foi curta tendo algumas delas caído para o lado percorridos alguns metros. O ambiente no almoço desse dia foi “pesado” tendo muitos de nós não conseguido almoçar já que o “filme” do que tinha acontecido ainda estava bem presente e uma onda de solidariedade para com os galináceos decapitados corredores foi criada, sentimento esse que provocou um nó no estômago difícil de desatar para aquela refeição. [continua] sexta-feira, 13 de maio de 2011 R.I. 21 «» a Recruta [ I/III ]Passavam das 18H00 quando franqueei a porta do Regimento de Infantaria 21, em Nova Lisboa, no dia 31 de Janeiro de 1971. O jovem civil das praias de Luanda tinha ficado à porta da unidade. No lado de dentro surgiu o jovem recruta que tinha sido ALISTADO para todo o serviço militar. Foi assim que terminei o tema Luanda/Nova Lisboa [IV], “odisseia” em quatro actos sobre a viagem e “loucuras” que eu e mais três amigos da vida civil efectuamos quando incorporados para integrar o primeiro turno de Instrução Básica Militar em Nova Lisboa. Para encerrar este capítulo da m/vida irei procurar descrever como foi a recruta no R.1.21. Aguardo, à medida que vá escrevendo, que consiga “desalojar” do baú das memórias algumas recordações que façam com que aqui deixe espelhado esse período compreendido entre 31 Janeiro [Domingo] a 3 de Abril [Sábado] de 1971, dia em que fui considerado como “Pronto da Instrução Básica”. O cabo disse-me qual a minha a m/cama, mandou umas bocas “foleiras” e zarpou. Fiquei mais ou menos satisfeito por a minha cama ser a debaixo no beliche mas essa satisfação desapareceu durante a noite quando comecei a “levar” com o pó e outras partículas que caíam da cama de cima. Após uma noite “meia maluca”, desde o colchão a dar-me cabo do corpo [aquilo de colchão só tinha o nome], ao facto de ter que guardar os meus pertenças num cacifo com outro, onde quase nada cabia, como ter de suportar “odores corporais” e “gasómetros” que durante a noite foram “disparados” para gáudio dos autores e de outros. Na manhã seguinte fomos acordados aos gritos e pontapés nas camas, mandados formar [como se soubéssemos o que era isso] e vestido à civil, todo “amarrotado e partido” e com o corpo com comichões, ouvi uma série de tretas e depois em fila fomos encaminhados para levantamento do fardamento; farda de trabalho e botas de sola em borracha e quico [além da pala dianteira tinha uma pala traseira para cobrir a nuca]; farda de saída, sapatos, boina e gravata; camuflado, assim como o quico, botas de cano, além de meias para todo o género do calçado levantado. Mais uns considerandos sobre o fardamento, o que ele representava, como teríamos que usar, estimar, etc., etc. e o que o exército esperava de nós. Nunca entendi como aquele homem ainda estava ao serviço da nação militar. Conclusão, andei bastantes dias a não comer o suficiente e a minha salvação foi ainda ter algum “kumbu” que tinha sobrado dos “desvarios” tidos quando chegamos a Nova Lisboa, o que possibilitou andar a alimentar-me na cantina até o “ferro” acabar nos bolsos. Nesses muitos dias o que realmente “atacava” era o café da manhã composto por leite mais que aguado misturado com o que parecia ser café ou cevada e dois bons pães que barrava com uma coisa que parecia ser manteiga mas que me ajudava a aguentar até à hora do almoço, onde depois do refeitório ia à cantina. Também tive a ajuda das bolachas, biscoitos e enlatados que tinha levado de Luanda, permitindo assim amenizar alguns “apertos” que passei a ter no estômago. O segundo choque, este com muito maior impacto que o primeiro, foi com as chamadas instalações sanitárias. Quando pela primeira vez as quis utilizar foi um choque tal que só passados uns seis/sete dias é que reuni condições psicológicas e fisiológicas para lá ir e utilizá-la. Que remédio, não tive outra solução. Nunca tinha visto nada daquilo e só o ter que estar de cócoras [à caçador] e ter que acertar no buraco era demais para mim, além de considerar nojento. Talvez por influência destes dois choques, conjugados com os exercícios físicos e desgastes mentais o certo é que nos primeiros oito/dez dias emagreci bastante, entrei em fase de fraqueza e por duas/três vezes desmaiei nas formaturas, tendo ido parar à enfermaria onde rapidamente me restabeleceram. Estava com a moral em baixo e sabendo que só no fim das duas primeiras semanas é que poderia obter licença para sair de fim-de-semana, ainda mais agravou o factor psicológico. A questão passou eu saber se aguentaria até às 15H00 (hora de revista para se obter a tão desejada licença) dessa longínqua Sexta-Feira, para “correr” para a minha cidade … Luanda. Após a primeira quinzena nunca mais passei um fim-de-semana dentro da unidade. Quando não tinha condições de transporte para Luanda, o meu “destino” era o Bairro de S.João onde entretanto tinha obtido alguns contactos de “permanência”. Mas sempre que podia era a abrir para Luanda. A recruta foi o que todos já sabem, pelo menos os que a fizeram. Ensinaram o que era uma formatura, o que é e o que se pretende do pelotão, que o pelotão se divide em 4/5secções [dependendo do número de soldados] e os objectivos da instrução. Tínhamos que saber perfilar pla direita, abrir e fechar fileiras, ombro arma, baixar arma, como fazer a continência, marchar, correr, saltar, rastejar, manejar, desmontar e montar as armas, etc,etc. Nas formaturas tínhamos que estar todos aprumados, limpos, barba feita, firmes e hirtos, ouvindo com atenção tudo quanto nos tinham para transmitir. Deixamos de ter nome para passarmos a ser chamados pelo nr de ordem que nos tinha sido atribuído, ou por tu. Tu isto, tu aquilo. Quando algum de nós se mexia, se distraia ou era apanhado a fazer “macacadas” era sabido que te tinha que “encher” umas 20/30 flexões ou, no pior dos casos, era-lhe ministrada uma severa G.A.M. [Ginástica de Aplicação Militar] que o deixava todo “roto” e sem vontade de “brincar”, pelo menos enquanto se lembrasse do castigo. A este nível nunca me foi aplicado algum castigo Para os que não sabem em que é que consistiam esses exercícios; Esta imagem ilustra bem o exercício em causa. Para debelar esse problema tinha andado uns anos antes e durante alguns meses em tratamentos que melhoraram substancialmente esse distúrbio psicológico, pois tempos tinham havido que nem sequer conseguia estar no cimo de uma cadeira e saltar para baixo. O que meus olhos viam era um abismo infinito ao mesmo tempo que sentia uma atracção pelo mesmo, isto é, a não saída imediata do local poderia provocar com que me lançasse de forma irracional para esse abismo. Como não tinha o tal documento comprovativo e mesmo quando fui à inspecção nem me lembrei desse factor, eu, para os instrutores, tinha era “miúfa”. Como esse epíteto nunca me incomodou eles que dissessem o que entendessem dizer que isso não faria com que eu fizesse o que não queria fazer. A exemplo de muitas situações na minha vida o problema não era meu, mas sim dos outros. [ continua ] |