O Autor em 1973 Nome Leão Verde Localização Norte de Portugal Ver o meu perfil completo Música Angolana
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domingo, 31 de janeiro de 2010 Filme de TerrorMais o contar de uma estória, o relembrar de um momento das vivências da minha vida. Estória simples, porventura comum a qualquer um dos que a possam ler. Mas é uma situação registada na minha memória e que pretendo partilhar. Assim o “Reviver Estórias” continuará vivo, activo e de certa forma surpreendente pela constante inovação das várias situações reais que descrevo, que relembro, por as ter vivido. Este continua a ser o meu livro aberto daquela outra minha vida vivida no “Outro Lado do Tempo”. Estávamos na década de sessenta e os filmes sobre “Drácula - o Vampiro” eram uma constante. Este género de filme bem cedo me atraiu, talvez pelo cenário das criaturas sobrenaturais, talvez pela “imortalidade” dos mortos/vivos até à estocada final, talvez pelo imaginário que me povoava a mente sobre o fantástico, o ocultismo e do sempre ténue equilíbrio da natureza humana entre a razão e o irracional. Assim bastante novo comecei a assistir à exibição de quase todos os filmes relacionados com essa temática. De entre os que me lembro constavam o Conde Drácula, As Noivas de Drácula, O Sangue de Drácula, Horror de Drácula e Drácula - O Príncipe das Trevas. E desde que os filmes tivessem como protagonistas os actores Christopher Lee como Drácula e Peter Cushing como o terrível perseguidor e matador de vampiros, fazia mesmo questão em os ver. Obviamente desde que pudesse, pois “kumbu” era coisa que não abundava. Concluindo; Drácula, Frankenstein, Exorcista e todos os filmes de terror e de histórias assustadoras de possessões demoníacas eram os meus favoritos de entre todos os géneros que o cinema realizava. Eu, Mário e os outros meus irmãos, à medida que iam crescendo, fomos verdadeiros e autênticos cinéfilos. Neste campo tivemos os nossos pais como principais dinamizadores. É com este espírito de assombração "horripilante" que dou inicio a esta estória, a este contar, que intitulei como “Filme de Terror.” Morava ainda na Rua do Vereador Prazeres, Bairro de S.Paulo/Luanda. Teria talvez 16 anos, portanto em 1967. No Cinema Restauração estava a passar mais um filme de Drácula que tinha, como protagonistas, os actores que acima menciono. Num dia ao fim da tarde/principio da noite, ou talvez à noite depois do jantar, encontramo-nos, como quase sempre [desde que não estivesse com a Cristina], no largo passeio onde ficava a Casa Lisboa. Eu, Albano, Abílio, Carlitos, Domingos, Zé Carlos, Tonito, Zé Henriques, Martins, éramos alguns de entre outros amigos do bairro e daquela rua que fazíamos daquele local o lugar privilegiado de encontro para as últimas de cada dia. ** Uma noite, numa dessas conversas, mas um ou dois anos antes, um deles lançou o repto sobre quem primeiro “engataria” uma garina que recentemente tinha ido viver para os novos prédios do Sr. Mota, construídos no terreno baldio que dantes servia para umas lutas livres entre os mais “bravos” de cada bairro [o nosso era o Pedro “maluco”], além de lá também se terem disputado alguns jogos de futebol. Os contornos do repto e o resultado final ficarão para um próximo tema.** Durante a conversa da noite que estou a relembrar disse aos amigos presentes que estava a pensar ir no dia seguinte ao Restauração ver o filme do Drácula, tendo perguntado quem estaria na disposição de também ir. Apenas o Albano, Carlitos e Zé Carlos disseram que sim, combinamos a hora de encontro e continuamos na conversa. No dia seguinte, aí por volta das 20H00, encontramo-nos no mesmo local, apanhamos o maximbas da linha 4 (Bo. S.Paulo) até à Mutamba (términos de linha). Lá chegados “galgamos” a “penantes” a subida da Av. Álvaro Ferreira até ao Restauração. Terminado o filme, com vampiros e sangue que bastasse até à estocada fatídica, como era da praxe, descemos de novo a Álvaro Ferreira até à Mutamba. ** Neste ponto convirá dizer que o Albano teria talvez mais dois anos que eu, eu e Carlitos éramos da mesma idade e Zé Carlos mais novo que nós, talvez um ano."" Novos e com pouco “ferro” nos bolsos resolvemos, para poupar, ir a pé até S.Paulo. Do Restauração até S.Paulo seriam talvez uns 6 Kms, mas sendo jovens e habituados a grandes caminhadas a tarefa não era difícil de concretizar, pese o adiantado da hora para quem nesse dia [já estávamos no dia seguinte] tinha que se levantar cedo para “trabucar”=trabalhar. Estávamos no mês de Julho/Agosto e a cacimba notava-se bem. Era a época seca ou do cacimbo. As ruas estavam húmidas, escorregadias, as luzes dos postes de iluminação e dos reclamos não reflectiam a luminosidade habitual, parecendo foscas, amortecidas, e o ar da noite era fresco/frio. Os faróis de alguns carros que transitavam irrompiam a cortina de névoa provocada pelo cacimbo. Embora Luanda fosse uma cidade que quase não dormia, o certo é que se viam poucos transeuntes. Avaliamos qual o melhor trajecto àquela hora [+- 00H15] e decidimos subir a Luís de Camões até ao Mercado de Quinaxixe. Já no Quinaxixe e um pouco ofegantes, pois o ar rafeiro da noite e a subida estavam a causar mossa, resolvemos não ir pelos Combatentes (continuaríamos a subir] e rodamos para a Rua Mousinho de Albuquerque, que era plana. A Rua M. Albuquerque começava no Mercado de Quinaxixe e terminava na Rua António Enes, passando pela frente da entrada do Cemitério do Alto das Cruzes, ou seja, o cemitério velho. Era uma rua bastante arborizada mas mal iluminada por as grandes e densas copas das velhas árvores obstruírem as luzes dos espaçados candeeiros públicos. Durante o trajecto, desde a saída do Restauração, tínhamos vindo a conversar sobre o filme e o que cada um tinha a dizer do mesmo em relação a outros já vistos. Dado o esforço tido com a subida da Luís de Camões a conversa começou a rarear e já transpirávamos bastante devido ao choque térmico do esforço e o frio húmido da noite. Mas, ao mesmo tempo, e devido ao facto de termos vindo a falar demasiado sobre esse género de filmes, aliado ao aspecto sombrio e mal iluminado da Mousinho de Albuquerque “sentimos” que estavam a ser “construídos” cenários de resultados não previsíveis, como adiante se verá. Transpirados, filme de vampirada, o cacimbo espesso, a rua mal iluminada, as copas das arvores a produzirem sombras fantasmagóricas, sabermos que íamos passar pelo cemitério, faziam com que aquela rua nos parecesse mais comprida que o habitual. Chegados ao prédio cor-de-rosa da Rua de S.Tomé viramos para o Bairro Operário, pois atravessando-o chegaríamos rapidamente ao “nosso” Bairro de S.Paulo. A Rua de S.Tomé também não era bem iluminada, embora o Largo frente ao cemitério o fosse. No passeio do lado direito, no qual caminhávamos, logo a seguir ao prédio rosa havia um conjunto de vivendas que se estendiam até uma outra Rua que delimitava o Bairro do Cruzeiro do Bairro Operário. Dessas vivendas pendiam folhas de palmeiras, troncos e folhagem de árvores das pequenas maçãs da índia e outro tipo de arbustos debruçados para a rua. Ao nosso lado esquerdo erguia-se o alto, branco e imponente muro do Cemitério do Alto das Cruzes, contrastando com a zona escura envolvente. Estava montado o cenário ideal para a vampirada aparecer. O psíquico de cada um deveria estar a criar o “seu” filme. Pela frente tinhamos o negrume do Bairro Operário, qual catacumba para onde o Drácula levava as vitimas e onde tinha o seu caixão de veludo avermelhado para repousar. Ao lado e para além do muro do cemitério deveriam estar os zombies a profanarem os túmulos e a mutilarem cadáveres. O filme “Drácula - O Príncipe das Trevas” devia estar, naquele momento, bem presente no nosso subconsciênte, pronto a ser despoletado. Com esses “temores” e “terrores” latentes e as “fantasias do fantástico” a ocuparem a inteligência e a clarividência cerebrais/mentais, penso que sem nos apercebermos deveríamos estar com todos os sentidos em estado de “alerta máximo.” Caminhávamos calados quando de repente ouvimos, bem perto de nós, bem junto aos ouvidos, um grito horripilante de terror que nos atingiu e trespassou-nos o corpo de forma glaciar. Um de nós [no momento não soubemos qual] começou a correr de forma alucinante e os restante [eu incluido],como que impulsionados por uma mola invisível, começamos também a correr que nem loucos. A Rua principal do Bairro Operário foi “voada” sem que nunca olhássemos para trás. As luzes dos poucos postes de iluminação existentes criavam as mais estranhas e dantescas sombras que sobre nós se lançavam, prontas a devorar-nos. Corríamos sem sabermos porquê, de quê, ou de quem. Apenas corríamos por acção do grito e dos “temores” imagináveis tornados “realidade.”. Chegados a S. Paulo cansados e agora não transpirados mas completamente encharcados de suor, foi cada um directamente para sua casa sem despedimentos. Também morávamos todos na mesma rua e praticamente ao lado uns dos outros. Nesse mesmo dia ao entardecer encontramo-nos para sabermos se algum sabia o que tinha sucedido, se algum sabia o porquê daquele grito horrível que ainda estava entranhado nos ouvidos, nos cérebros, se algum sabia da razão daquela louca correria. Eu, Carlitos e Albano nada soubemos dizer, tendo-se concluído que não tinha sido nenhum de nós a gritar, que não tinha sido nenhum de nós o primeiro a correr em alta velocidade. Só nos restava ouvir o Zé Carlos para qualquer explicação que soubesse dar. Como não estava presente e não querendo demorar mais tempo em sabermos algo de concreto dirigimo-nos à mercearia que os pais exploravam no r/c do prédio do Sr. Mota, mas dele nem sinal de vida. A mãe ao ver-nos perguntou-nos o que é que se tinha passado pois o filho não se tinha levantado de manhã e teve a porta do quarto trancada até cerca do meio-dia e que quando apareceu estava com um aspecto “horrível” e olheiras profundas de noite mal dormida. Dissemos nada saber e que queríamos falar com ele precisamente sobre isso. Após a mãe o ter chamado várias vezes, lá apareceu com o olhar cabisbaixo. Então SOUBEMOS. O Zé Carlos, pouco à vontade, sabia o que se tinha passado. Tinha sido ele quem gritou e quem impulsivamente “disparou” como louco. Por “simpatia” [termo militar] nós tínhamos seguido aquele seu impulso, aquele seu louco correr, após termos ouvido o grito horripilante, diria quase inumano. Então o que é que teria acontecido. Com todo o cenário que acima descrevo começaram a estarem criadas as tais “condições” para o despoletar dos “medos” e dos “receios” ocultos interiorizados em cada um. E como se de um filme se tratasse só faltava a palavra “acção”. Essa foi dada através do roçar húmido de uma folha de palmeira ou de um dos arbustos das pequenas árvores debruçadas para a rua que, abanada(o) pela brisa fria tinha “acariciado suavemente” o rosto do Zé Carlos, “enregelando-o”. A tensão, a imaginação e o “descontrole racional” fizeram o resto. Também ele era o mais novo. Mas depois de conversarmos bem e com honestidade sobre o assunto chegamos à conclusão que qualquer um de nós estava nos "limites" para qualquer tipo de reacção que só se saberia qual seria se situação idêntica acontecesse. Gozamos com tudo aquilo quando soubemos da razão do grito, que nos tinha levado à louca correria desde o Bairro do Cruzeiro , Bairro Operário, até ao nosso Bairro de S.Paulo. Sentimo-nos aliviados e descomprimimos a inquietação e a ansiedade que tivemos durante todo o dia até à clarificação/explicação dada. Nos dias e noites que se seguiram quando do assunto falávamos ou olhávamos uns para os outros só desatávamos a rir. O sucedido também deu para que os outros amigos nos gozassem, pois relatamos o que se tinha passado. Éramos amigos e o acontecido fazia parte da conversa que ao fim de cada dia tínhamos quando o grupo se juntava. Naquele momento gozavam eles, num amanhã seriam outros a gozar. Saudações e Inté quinta-feira, 14 de janeiro de 2010 "Treme Treme" «» o PrédioMais uma estória das minhas vivências, mais um relembrar de uma página das minhas memórias. E assim irei, paulatinamente, reconstruindo algumas fases da minha vida enquanto adolescente, enquanto jovem/adulto, enquanto em "Luanda *No Outro Lado do Tempo*. Luanda era a cidade/capital que mais crescia e se modernizava no continente africano. Novos e actualizados serviços e equipamentos faziam com que rapidamente começasse a estar à frente de muitas cidades do velho continente (Europa), incluindo a capital do império português, na importação de tecnologias de ponta, bancárias e outras. A terra argilosa era rasgada para se construírem e asfaltarem novas e largas estradas, ruas e avenidas, começando Luanda a estender-se muito para além do perímetro habitacional que tinha em 1960. Novos e airosos bairros faziam-na crescer, os edificios em altura surgiam como cogumelos, nomeadamente na baixa, onde bancos, companhias de seguros, hotéis e demais estruturas davam a Luanda um aspecto imponente de capital rumo ao Futuro de toda uma Angola que se queria mais próspera, mais independente do exterior, mais importante no xadrez politico/económico africano. O progresso estava à vista depois de largas dezenas de anos de estagnação. A TAP começou a ter mais voos vindos da chamada “metrópole”, transportando uma componente humana mais técnica, com quadros cada vez mais importantes para ajudarem as diversas empresas a implementarem-se no terreno. Nos porões dos seus aviões diversa carga era transportada, sendo um passo importante para que os equipamentos mais rapidamente fossem colocados ao serviço do desenvolvimento de Angola. Luanda e as demais capitais distritais eram portas abertas para a criação das mais variadas áreas de negócios. A DTA também ajudou a que um maior impulso fosse dado às comunicações aéreas domésticas, revelando-se um parceiro importante nesse avançar firme na disposição e na resposta a dar aos interesses estrangeiros que se movimentavam por detrás dos chamados “movimentos de libertação”. Mais tarde, quando a DTA se transformou em TAAG, esta começou a ter voos regulares entre Angola e a “metrópole”, tornando-se num outro factor de contribuição no fluxo de transacção dos mais variados interesses nas duas rotas, Angola e Portugal. Ao porto de Luanda chegavam navios da C.C.N. e da C.N.N. que através das ligações estabelecidas com mais regularidade entre a “metrópole” e Angola transportavam, para além dos diversos contingentes militares, milhares de portugueses que viam em Angola uma terra promissora de oportunidade na construção de um melhor futuro para si e famílias. Diverso material, matérias-primas e produtos eram também transportados por esses navios de grande tonelagem. As transações comerciais começavam a ter números de grandeza nunca antes imaginados. Quando Salazar proferiu a célebre frase; “rapidamente e em força para Angola” dirigida para os altos comandos do exército para a defesa daquele território de dominio português, penso que nunca ninguém terá previsto que essa frase teria o condão de fazer “despertar” interesses vários “adormecidos na metrópole”. O certo é que a frase estendeu-se a toda uma dinâmica empresarial, então quase inexistente, e a todo o povo português, tendo-se verificado um autêntico êxodo civil rumo a Angola. A genuína Coca Cola entrou em Luanda no ano de 1964/65 sem qualquer restrição. O Take Away era uma realidade na Pastelaria Versailles, assim como Luanda teve o primeiro Hiper Mercado de todo o Portugal, o tão conhecido Jumbo, sito na estrada de Catete. O lançamento do primeiro Cartão Visa em todo o território português foi feito em 1971/2 pelo BPSM em Luanda. O produto era baseado no genérico do filme "Trinitá–Cowboy Insolente". Em 1967 foi inaugurado na marginal o prédio de 26 andares, o maior de todo o Portugal, onde se situou a sede do BCA. E aqui mais uma vez a novidade das modernas e funcionais instalações, complementadas com novas técnicas e tecnologias bancárias, entre as quais a existência do “auto-banco”, serviço completamente inovador em toda a banca portuguesa. O BCA tornou-se rapidamente o ex-líbris de Luanda/Angola e de toda a África Ocidental. É neste cenário de constante crescimento que também a vida nocturna começa a multiplicar-se com a oferta de mais boites, casas de fados, bares americanos, casas de espectáculos como o Tamar, o Maxime, a Gruta e outras. Luanda/Angola continuava a oferecer oportunidades a quem nela quisesse investir. Assim foi construído, em altura, mais um moderno edifício no Largo Infante D. Henrique [Largo do Baleizão] que, pouco depois de ocupado, começou a ser conhecido pelo prédio do “Treme Treme”. A razão dessa denominação tinha a ver com a utilização que era dada a alguns apartamentos, por estarem habitados por “profissionais do sexo”. Quem pretendesse alguma discrição e “qualidade”, diziam, sabia que nalguns apartamentos daquele prédio os podia encontrar. Devido a essa "actividade" o prédio começou a ser conhecido por "Treme Treme", ficando dessa forma referenciado para qualquer informação a prestar, mesmo que não para essa “área de serviços”, por lá existirem também bastantes escritórios de empresas. Em relação a esse prédio ficou por esclarecer o porquê da morte de uma "profissional" nele ocorrido em 1968/69. Oficialmente tratou-se de um suicídio ("atirou-se de um dos andares"), mas “sabia-se” que tinha sido um assassinato, só que metia gente “graúda” e com essa versão ficou o caso encerrado. Luanda nocturna era uma cidade cheia de vida. Os teatros, os cinemas, os restaurantes, cafés e esplanadas “fervilhavam” de gente, de familias. Muitos faziam desses momentos a preparação para mais uma noitada nas boites, dancings, bares americanos, clubes recreativos, etc., etc.. O Café Baia, virado para a marginal e sito no edifício de traça antiga encostado ao prédio “Treme Treme" era também um ponto de referência. A cidade oferecia um espectáculo grátis e deslumbrante com as luzes da Marginal e as dos seus reclamos multicolores, que num piscar constante se reflectiam como um arco-íris sobre as águas calmas da baía, enquanto no alto, e em tons de amarelo iluminada, a Fortaleza de S. Miguel vigiava a baia, protegia a cidade. Os automóveis passeavam-se como pirilampos e muitos deslocavam-se para a ilha, onde as marisqueiras e bares aguardavam com as suas lagostas, camarões, lagostins, sapateiras, outros crustáceos e moluscos a chegada da clientela noctívaga, e não só. Luanda dormia acordada, ou seja, Luanda era uma cidade que não dormia. É com todo este cenário de crescimento e de deslumbramento que dou inicio à minha estória, a este meu rememorar de uma situação vivida. Tinha eu na altura 20 anos, portanto em 1971. Na data tirava a especialidade no Agrupamento de Transmissões de Angola e sentia-me mais homem, mais forte para enfrentar situações diferentes, de outra índole, ou seja, mais confiante nas minhas possibilidades físicas, já que as intelectuais estavam e sempre estiveram em forma. ** Como por certo já leram em algum dos temas anteriores e por certo irão ler em outros futuros, a curiosidade de observar, de analisar e avaliar os diversos comportamentos ou de estar por dentro de algumas situações faziam parte da minha forma de estar, do meu crescimento da vida para a vida. ** Movido por essa constante observação das coisas decidi verificar da verdade da informação recebida e "sentir" o pulsar do ambiente desse novo, para mim, “comportamento” humano. Apesar de novo já tinha "bastantes quilómetros de estrada" e sabia que neste tipo de incursões totalmente desconhecidas seria um erro, ou temeridade a mais, ir-se só. Assim conversei com meu irmão Mário, disse-lhe dos meus propósitos de não pretender ir sozinho e que gostaria que ele me acompanhasse, caso estivesse disponível para isso. Concordou e prontificou-se em acompanhar-me quando fosse o dia destinado para esse fim. No dia aprazado jantamos, pedi as chaves do Chevrolet Belair a meu pai que, “resmungando”, lá mas cedeu. ** Como também já referi num tema anterior, só tive o meu próprio automovel após ter terminado a vida militar e ter adquirido a minha “independência”, pois antes nunca tive necessidade de o ter.** Saímos nas calmas de casa (Rua do Lobito), deslizamos até à Rua do Quicombo, entramos na Rua António Enes, descemos o Eixo Viário e como tinhamos bastante tempo fomos até à ponta da ilha. Paramos, conversamos e no regresso demos uma olhadela no Restaurante Mandarim para vermos como estava o ambiente. Estacionamos na Marginal, entramos no Café Baia para bebermos um saboroso café de Angola e extasiarmo-nos com a beleza da baía e o colorido dos diversos tons de luzes nela reflectidos. Bebido o café começamos a "magicar" como entraríamos no bar/clube, por ser de entrada restrita. Como não tínhamos solução encolhemos os ombros e decidimos aguardar o que poderia acontecer. Se abrissem muito bem, se não abrissem muito bem na mesma. Só que a minha "missão" não ficaria cumprida. Os ponteiros do relógio pareciam ter parado no tempo infindável. O Café Baia estava para fechar e os poucos clientes preparavam-se para sair. Aguentamos até onde foi possível e não tivemos outra alternativa que não fosse também sairmos. Com passo lento passamos pelo Bar, contornamos o “Treme Treme” e fomos até ao prédio do Alfredo F. Matos ver os modelos dos carros expostos, apenas para “fazer passar o tempo”. Pouco depois das 24 horas premi com dois toques rápidos a campainha desse bar de porta fechada. Já tinha visto esta cena do tocar rápido em alguns filmes e era assim que neles funcionava. A porta entreabriu-se e surgiu o rosto de alguém que pelo estilo deveria ser o porteiro. Ao entrar comprovamos que sim, que era. Mirou-nos rapidamente umas duas vezes de alto a baixo, creio tê-lo visto franzir a testa de estranheza e, para nossa surpresa, fez-nos entrar sem ter feito qualquer pergunta. Uma luz de vermelho mortiço, provocando penumbras estratégicas, acolheu de imediato o nosso campo visual. Descemos uns dois pequenos degraus e o mundo “diferente” apareceu. Bastante fumo de tabaco tornava o ambiente denso e quase irrespirável. Alguns rostos viraram-se para nós que tínhamos ficado momentaneamente sem "vontade" de avançar. Controlamos a respiração e avançamos até ao balcão. O balcão situava-se do lado direito da entrada e tinha um grande espelho como fundo. Antes que o barman perguntasse o que pretendiamos beber encostamo-nos de costas para o balcão e procuramos dar a entender que estávamos à procura de alguém. Com o olhar consegui(mos) romper a penumbra dos recantos que ficavam para além da luz mortiça e vi(mos) comportamentos próprios daquele tipo de natureza humana. O “Treme Treme” até no subsolo fazia jus ao nome pelo qual era conhecido na superficie. Entretanto alguns olhares lânguidos e conspurcados pela lascívia já disputavam os nossos olhares, os nossos rostos. Como o ambiente estava a ficar demasiado "pesado" para nós, dei por terminada a "missão" que me tinha levado até àquele bar. Com o olhar transmiti essa intenção a Marius70, que também já tinha "pressentido" que havia chegado o momento de nos retirarmos. Viramo-nos lentamente para o barman, encolhemos os ombros dando-lhe a entender que não estava quem pensávamos que pudesse estar e com andar descontraido dirigimo-nos para a saída. Saidos, ficamos um pouco no exterior a conversar, bem perto da porta do bar para o porteiro ouvir, caso estivesse de "orelha colada", e fingimos da decepção de não termos encontrado o [nome inventado] etc., etc. Com este procedimento queriamos fazer crer que entramos com uma finalidade, com um objectivo, e não como intrusos, como "diferentes dos diferentes". No por vezes complicado mundo da noite as coisas que não são têm por vezes parecer que são. Com o ar da noite a refrescar-nos e aliviada a tensão existente caminhamos calmamente e lentamente para o Chevrolet Belair. Já dentro e a caminho do Bairro de S.Paulo, fizemos uma avaliação do que cada um de nós tinha observado e da "aventura" vivida. Chegamos depois à conclusão de que aquela teria sido porventura a primeira e única incursão a um mundo com aquele género humano de ambiente e comportamento. Tinhamos estado num "Bar Gay". Saudações e Inté |