O Autor em 1973 Nome Leão Verde Localização Norte de Portugal Ver o meu perfil completo Música Angolana
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quinta-feira, 11 de junho de 2009 O "Heroi" da NoiteLuanda, capital de Angola. Ano da Graça de 1973. Mais uma vez tinha-me “desenfiado” de Zau-Évua. Fazia-o sempre que podia, quase sem olhar a meios nem a medos regimentais. Eu queria era estar em Luanda. Respirar os seus aromas, embrenhar-me nos seus musseques, estirar-me nas suas praias de areias quentes, sentir o seu “coração” de cidade a pulsar, o trânsito, as garinas, os amigos (meus irmãos) e outros (poucos), já que o conceito de pura amizade sempre por mim foi levado a sério. Mas a razão principal das minhas últimas idas a Luanda, de me andar a “desenfiar” dentro de um qualquer camião civil dos que faziam o MVL (Movimento de Viaturas Logísticas), era Ela. Ela que me fazia respirar com novo alento, que me fazia esquecer o desértico lugar de nenhures onde estava, que me fazia o coração bater de forma desordenada, descompassado. Que fazia com que meu sangue escaldasse e galopasse, qual cavalo louco, pelas artérias de meu corpo. Que fazia com que eu olhasse intensamente o horizonte sem fim procurando o seu olhar, “percorrendo” mentalmente as centenas de quilómetros de mato e de caminhos poeirentos que me conduziriam aos caminhos do asfalto, aos caminhos dos seus braços, para em seu olhar me “embebedar”, em seus longos cabelos me enredar e em seu corpo me reconfortar. Por ela “desafiei” os deveres do Regulamento de Disciplina Militar (RDM), infringindo o dever 7º do Artº 4º – ausência ilegítima –, tendo sido “apanhado” e estado em prisão disciplinar agravada. Como Zau-Évua já era uma quase prisão e a ausência foi em Novembro de 1972, aguardaram e fizeram o "favor" de eu cumprir a pena em Abril de 1973 quando me transitaram para a Muxima, onde permaneci até Outubro desse mesmo ano. Coisas da tropa. Como acima refiro estava mais uma vez “desenfiado”. Mais uma vez Ela tinha sido a razão mais forte de estar em Luanda. Noite de Sábado para Domingo. Rua do Lobito, nº 113, r/c. Seriam umas quatro horas da manhã. A humidade e talvez o ter estado com Ela e ela viver na casa a meu lado, embora no 1º andar, fazia com que o meu sono fosse desperto, fosse vivo. Nos musseques Sambizanga (Sambila), Bairro Operário e Mota (mais longínquo), os sons das batucadas tinham deixado de se ouvir há algum tempo. No quintal ouvia o esvoaçar das asas de um morcego que talvez estivesse a devorar um suculento e doce mamão do mamoeiro que lá tínhamos, ou de um outro qualquer da vizinhança. Um pouco mais ao fundo ouvia o som da água a pingar para o tanque, talvez devido à torneira estar mal fechada ou com "problemas". Tinha que de manhã ir ver o que poderia ser, pensei para comigo. Deitado sobre a cama, só com o calção vestido, a humidade tomava conta de mim. Devíamos estar no mês de Fevereiro/Março. Aqueles sons, que antes “nunca” os ouviria, “ajudavam-me” também a estar desperto. A meu lado, nas suas camas, os meus manos Alfa e Tony dormiam como justos. O mano Mário, recrutado em Janeiro, estava na E.A.M.A., em Nova Lisboa. Tirando aqueles sons que só eu ouvia, o silêncio imperava. De repente um outro som se sobrepôs a esses. Um som diferente, um som “surdo”, pesado. Imediatamente fiquei em alerta total. Apurei a vista para ouvir, apurei os ouvidos para ver. O som era mais nítido, compassado. Não tive dúvidas. Alguém andava nos quintais. Lesto, só com o calção vestido e descalço (eu, que não sei andar descalço), corri para a porta da frente, procurando não fazer nenhum ruído. Apenas ao passar pelo quarto de meus pais disse sussurrando; anda alguém nos quintais. E continuei, deixando a porta da frente entreaberta. Lá fora, na rua, a humidade, a adrenalina e a ansiedade fizeram com que meu corpo “fumegasse” dado o "choque" térmico. Assim pensando e com o “mapa geográfico” do terreno e da situação percorri o espaço da m/casa até à entrada do portão e aninhei-me, aguardando. Todo eu era tensão. Os músculos das pernas retesavam, prontos a saltarem sobre a “vítima”. Os tendões dos ombros quase que doíam, face à intensidade que enviava para os braços. O relógio do tempo parece que tinha parado. Os ouvidos zumbiam por quererem penetrar no espaço nocturno da visão. Eu não via quem viesse e quem viesse não me via. De repente um grito sai da minha e da garganta de quem eu esperava. Quase que de forma simultânea vimo-nos um ao outro. O factor surpresa foi para os dois. Mais para ele, naturalmente, mas também para mim que só dei por ele quando estava praticamente ao alcance dos meus braços. Eu estava de tal forma tenso que não o ouvi a aproximar-se do portão e o grito que seria para o intimidar e sobre ele saltar foi também de mim para mim um grito de surpresa. Era um negro bem entroncado e trazia aos ombros um saco de serapilheira volumoso. Com o susto e surpreendido atirou o saco na minha direcção e retrocedeu a correr, correndo eu atrás dele. Saltamos dois ou três muros de quintais e ficamos momentaneamente frente a frente, dado que o muro seguinte era um pouco mais alto e dividia o conjunto destas vivendas de um outro conjunto de vivendas também geminadas. Por não ter prática nem saber andar descalço e devido ao atrito do cimento, sentia a planta dos pés a rasgar, a sangrar. Entretanto já quase toda a vizinhança tinha acordado com os gritos dados e alguns ainda nos viram a correr e aos saltos pelos quintais. Vendo o caso mal parado e sentindo-se encurralado o negro só tinha uma saída. Saltar o muro divisório e procurar escapulir-se através dos outros quintais a caminho da Rua dos Pombeiros. E assim o fez, já que eu deixei de estar capaz de o acompanhar naquele trepar de muros. Os pés tinham-me “traído”, mas o “espólio” tinha sido deixado pelo assaltante. Quando cheguei à rua a mesma estava com pessoal a aguardar o desfecho do que se passava nas traseiras e outros, incluindo meu pai, lá estavam para a ajuda necessária. Entretanto o saco já tinha sido aberto e dentro dele estava uma boa dezena de galos/galinhas com o pescoço partido. Mas nem todos, como depois se verificou. O assaltante nocturno era um “pilha galinhas”, mas daquela vez ficou-se apenas pelo “cheiro”. Fui “aclamado” como um “herói”. Com o peito a arfar do esforço dispendido olhei para cima, para a varanda do 1º andar, e Ela lá estava. Linda, com a sua branca camisa de noite, os cabelos negros a caírem-lhe pelos ombros, com o olhar de olhos negros brilhantes de não sei o quê …mas deduzi do que seria …, enviando-me uma mensagem. Como tudo era pretexto para se fazer uma boa farra este acontecimento não fugiu à regra. Foi logo programada uma para esse Domingo à tarde, sendo os galináceos mortos preparados para a churrascada da ordem. E assim foi e o “herói” da noite continuou a sê-lo durante todo esse dia de Domingo. Para ela eu continuei a ser o seu heroi até ao momento de novamente ter de regressar "anonimamente" a Zau-Évua. Ah! E os meus ricos pezinhos sempre levaram "porrada" do cimento. Mas aquele olhar terno e orgulhoso dela durante todo esse dia de Domingo tudo compensou. Assim, graças a um pilha galinhas, revivi mais uma estória das minhas vivências. A ela, mais tarde, dediquei-lhe este simples poema. Um outro mais se seguiu. Talvez um dia o dê a conhecer, assim como outros que fui escrevendo. Meu coração de novo explode Existe nova paixão ardente, Tu és a minha recente ode, Nele tens estado presente. Teus lábios cor de morango, A tua boca um roseiral, Os caminhos por onde ando, Me conduzem ao teu beiral. Os teus olhos profundos são, Teus cabelos o meu sargaço, Teu corpo praia de reflexão, Dormirei nele, em seu regaço. Este meu amor para contigo, É de um sentimento real, E a qualquer tempo te digo, Para com ele seres leal. És o meu amor regenerador, Neste meu manto de guerra, És o meu oxigénio nesta dor, No sangue que lavra a terra. A separação estará no fim, Será o tempo de regressar, No meio deste alto capim, Conto os dias para te abraçar. De mãos dadas juntos iremos, Um novo caminho percorrer, Nessa estrada esqueceremos, Este tempo que nos fez sofrer. Zau Évua - Fev 1973 Saudações e Inté |