domingo, 25 de janeiro de 2009

 

Relembrar o Carro da TIFA


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** Peter Holm – Monia **


Relembro, mais uma vez, que Todos os Reviveres do meu blog se enquadram desde Fev./Mar de 1962, ano em que “desembarquei” em Luanda, até Novembro de 1975, ano da independência.
No entanto, e em alguns casos, essas minhas “estórias/relembrares” vão desde o intervalo de Nov. de 1975 até Nov. de 1977, mês/ano em que fui Expulso de Angola.
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Em Angola existem apenas duas estações; a "Estação Seca", conhecida por “Cacimbo” e que vai de Maio a Agosto, e a "Estação das Chuvas" nos restantes oito/nove meses, em que o tempo é mais quente, atingindo a sua plenitude em Dezembro, Janeiro e Fevereiro.
Uma das razões pelas quais as festividades natalícias em Luanda não terem a mesma "força" que noutras latitudes europeias, nomeadamente Portugal, é a de o pessoal estar em Dezembro mais interessado em ir para as praias, dar uns mergulhos nas ondas das águas quentes do Atlântico e retemperar energias estendendo-se nas suas areias douradas e macias.
Também no chamado "Cacimbo" vai-se por vezes à praia mas falta, nalguns casos, a coragem para se mergulhar ou nadar, por se sentir a água fria demais, apesar da sua temperatura poder rondar os 18 graus.
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Época das Chuvas. Luanda "sofre" a intensidade das chuvas tropicais.
Apesar de ser uma capital em franco progresso, Luanda, como cidade africana que é, tem graves problemas de saneamento e de salubridade.
Angola é um país subdesenvolvido ou em vias de desenvolvimento e tem por isso as suas carências próprias.

Os musseques detêm bastante concentração humana e não existem os bons hábitos de higiene e salubridade pública, a par da total inexistência de qualquer tipo de saneamento básico e a existência de várias lixeiras a céu aberto. As águas de dejectos e das chuvas ficam acumuladas durante vários dias nas vias públicas, formando autênticos chiqueiros propícios ao aparecimento de doenças, tais como a cólera, a malária ou paludismo, estas provocadas pelos mosquitos. As entidades sanitárias de Luanda mantêm-se no entanto atentas e a população é avisada e sabe como poder combater um possível surto epidémico.
Uma das formas de "combate" é o de tomar um comprimido de cor amarelada, o quinino. Comprimido na mão, copo de água noutro e toca a meter para o "buxo" o combate à doença.
A outra forma é o combate através da intervenção do …………………

Aqui dou inicio a mais um relembrar, um recordar.

Rua do Vereador Prazeres, no Bairro de S. Paulo, que considero ter sido a "minha" rua apesar de de ter ir ido posteriormente viver para a Rua do Lobito, no mesmo bairro.

** Aspecto geral do Bairro de S. Paulo **


As chuvas tinham deixado de cair há alguns dias. No ar paira o cheiro intenso da terra avermelhada que se vai "libertando" da água entranhada no seu ventre.
O Sol escalda, a terra seca e cria uma nuvem empoeirada. As moscas e os mosquitos aparecem em grande quantidade. O comprimido de quinino é tomado como prevenção, mas algo mais terá que ser feito para combater a praga que o mosquito do paludismo ou malária podem provocar nas populações.
O Bairro de S. Paulo é quase todo asfaltado. Apenas uma ou outra rua menos concorrida é em terra batida. As ruas do Bairro Operário, do musseque Marçal e do Sambizanga (Sambila), que fazem uma espécie de cintura em volta do Bairro de S. Paulo, são praticamente em terra batida.


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Uma gritaria "infernal" vinda do Bairro Operário precede um outro som já pelos S. Paulistas conhecido. Kandengues, descalços uns, meios calçados outros, com camisas abertas e em vários tons, lembrando asas esvoaçando, correm e os seus gritos e risos juvenis de gargantas "escancaradas" são um "quase" sinal para os habitantes daquela "minha rua" e de todo o Bairro de S. Paulo.
As donas de casa "avisadas" pelos gritos da miudagem abrem as portas e janelas das casas. Tudo quanto é porta ou tem dobradiça é aberto. Ansiosamente aguardam a passagem do .....
Após algum tempo lá vem ele … o carro fumigador. Pachorrento, lento, desempenhando com alguma "tristeza" o "papel" para que os homens o votaram.
Das "entranhas" do seu corpo arredondado e volumoso "vomita" um desinfectante, um agente químico, o DDT. É o carro da “TIFA". Um cheiro a acre invade os bairros, a cidade.

O nevoeiro esbranquiçado e o cheiro acre que deixa são bem-vindos pela população de Luanda, já que os carros fumigadores percorrem as ruas borrifando desinfectante por toda a cidade, dias após as chuvadas terem acontecido. É o inicio da desinfestação, da matança dos insectos nocivos à saúde dos humanos e dos animais.
Se alguma dona de casa está por ventura mais distraída logo é avisada pela vizinha … vizinha, lá vem o carro da TIFA. A vizinha agrade e imediatamente abre as portas e janelas de sua casa, deixando nela entrar aquele fumo desinfectante.
Quando o carro da TIFA percorre a cidade a população abre portas, janelas e até os pulmões para "receber" aqueles agentes químicos.

** o carro da Tifa [fumo] **


Os kandengues, que alegremente correm atrás do carro da TIFA, recebem directamente o DDT, pondo em risco a sua saúde. Mas penso que todos são inocentes daquele conhecimento. Penso que eles poderão pensar que absorvendo aquele "fumo" ficarão "imunes" à picada do mosquito. Até acredito que as autoridades sanitárias não tenham talvez pensado nesse pormenor. A lógica é o de "salvar" anualmente a população da possível praga. Aquele é o outro meio, talvez o mais eficaz, para se combater a provável epidemia, tendo como comparação a toma do quinino.
Dentro deste cenário, quando o carro de um amigo deita pelo escape mais fumo que o habitual é motivo de gozação e o pessoal, num tom de risota e de boa disposição comenta, … olha…olha, até parece o carro da TIFA.

Saudações e Inté